Falamos com Ernani Cousandier sobre Menegatto – A Pedra da Lua
Foi no beco dos artistas (ou Artist Alley) da CCXP 2016 que tivemos nosso primeiro contato com o trabalho de Ernani Cousandier, gaúcho de Bento Gonçalves e autor de Menegatto – A Pedra da Lua (leia aqui nosso review). Antes disso, Ernani foi ganhador do troféu de Melhor Lançamento Independente do Prêmio Augusto Angelini pelo seu trabalho em Nenhum Dia sem Um Traço, publicação de 2014 que reuniu grande parte do trabalho do autor nos últimos anos.
Voltando a Menegatto, tivemos o privilégio de conversar com Ernani sobre o personagem a respeito de suas inspirações e pesquisas para dar vida à obra de 2016, também abordando um pouco dos desafios em se publicar de forma independente no país, frente ao nebuloso cenário político estabelecido para investimento e incentivo à cultura no Brasil após o golpe.
Por favor conte-nos um pouco sobre você e seu estilo de desenho.
Primeiramente, obrigado pela oportunidade de falar sobre o MENEGATTO – A pedra da lua. Penso que sempre tenho espaço para melhorar meu desenho e minha narrativa em cada novo trabalho. Meu desenho tem claras referências ao quadrinho europeu porque essa corrente me pegou quando despertei o interesse pelas HQs. Depois, como leitor, no decorrer da vida vamos sendo apresentados aos mais variados estilos e conceitos. É sempre uma tarefa dificílima fazer algo significativo em um segmento que já nos mostrou tantas ideias e autores geniais. Também vejo que absorvi um pouco daquele humor do Laerte dos anos oitenta, mas me considero um autor que ainda está buscando uma forma, uma marca.
Pode falar um pouco sobre suas maiores inspirações para criar personagens tão interessantes, como o próprio Menegatto?
Comecei escrevendo histórias curtas do Menegatto. Anotava alguns casos policiais, pequenos golpes e falcatruas que pesquisava no noticiário com a intenção de desenvolver um personagem em alusão ao Meneghetti (Gino Amleto Meneghetti foi um criminoso italiano que, radicado no Brasil, ganhou fama ao ter seus feitos noticiados pela imprensa). Pensando nisso, surgiu o Menegatto. Bem, depois disso ele foi ganhando personalidade conforme fui desenvolvendo as histórias.
Depois de ser premiado por “Nenhum Dia sem Um Traço” você sentiu uma responsabilidade maior para seu novo trabalho com Menegatto – A Pedra da Lua?
Não senti que tivesse uma responsabilidade maior depois do prêmio por “Nenhum dia sem um traço”, pois era um livro coletânea, onde trabalhei vários formatos, tiras, cartuns, hqs longas e curtas. Menegatto foi uma outra proposta. Quando o “Nenhum dia sem um traço” estava pronto, antes mesmo de ser lançado, a única coisa que queria era começar logo outro projeto. Poder continuar produzindo. O processo de produção de uma HQ traz grande mudança para o autor e eu não queria parar depois do primeiro livro editado. Como eu nunca sei se vai haver o próximo livro, fiz evocando tudo que absorvi na caminhada de “aprender a fazer quadrinhos”, porém o resultado é sempre uma incógnita, a gente erra e acerta durante a mesma obra.
Seu ponto de vista a respeito de diversos aspectos culturais de Cuba são bastante críveis nas páginas de Menegatto, você já esteve no país? Se sim, como foi a experiência, e teu trabalho de pesquisa, para poder transpor Cuba da forma como você a via. Se não, como foi esse trabalho de pesquisa?
Quando esbocei o roteiro ainda não tinha me decidido por Cuba. Chegou um momento dentro da hq “A pedra da lua” em que precisava colocar o Menegatto dentro de um país da América Latina para dar andamento à trama. Era importante que fosse um lugar que eu já tivesse visitado para que a pesquisa e ambientação não fosse somente virtual. Como o roteiro se passa durante os anos noventa, resolvi levar o Menegatto até Cuba, lugar em que estive em 1999. Meus conhecidos já ouviram eu contar essa história mais de mil vezes e sabem sobre minha especial admiração pela música cubana, então, quando a gente gosta da música de um país, acaba se interessando por outros aspectos, também. Além de ser um lugar constantemente citado em nossas recentes discussões políticas e que nunca sai de pauta. Acabei usando a experiência que tive para ambientar a história depois.
Em Menegatto – A Pedra da Lua você utiliza (mesmo que em proporções diferentes) três idiomas: português, inglês e espanhol. Em algum momento teve receio de que essa opção se tornasse um problema para parte dos seus leitores? Vale ressaltar que os diálogos estão totalmente acessíveis e de fácil compreensão quando em espanhol, por exemplo.
Exatamente como você disse. No caso do espanhol, a ideia é que dispense tradução. Mesmo que o leitor não compreenda um termo ou outro, a intensão é passada e o humor flui. Uma outra opção seria de colocar a tradução no rodapé da página ou ainda fazer todos personagens dialogando em português. Nesse caso, eu e minha mulher Tatiane Cousandier, que comigo fez a edição, tivemos que decidir. Apesar do nosso esmero, passou alguns erros de revisão. Acabamos errando em três idiomas. (risos)
Você pretende revisitar o personagem Menegatto futuramente?
Pretendo. Tenho várias ideias na gaveta. Mas quero experimentar técnicas e formatos diferentes. Editorialmente, com livros de dimensões menores. Quero elaborar uma história colorida com a técnica de óleo sobre papel, coisa que venho testando já há algum tempo. Também me interessa fazer histórias curtas em p/b, do Menegatto. É claro, isso são planos, ideias, mas até uma ideia virar um livro tem muita água para rolar. E mais, tem as curvas e os percalços da vida que às vezes nos obrigam a ajustar as velas em outra direção.
Vai participar da CCXP Nordeste?
Não. Infelizmente.
Publicar seu trabalho de forma independente tem sido uma opção melhor atualmente?
Até o momento, foi a opção que tive. Meus dois livros foram aprovados em editais de financiamento público. Depois de uma longa luta para implantar um fundo de fomento de projetos culturais em minha cidade. Com o golpe estabelecido esse tipo de dispositivo que era vinculado ao Plano Nacional de Cultura, está em risco, já que há um desmonte da cultura no país inteiro. Aliás, há um desmonte de um país. Assim como houve um fatiamento do Ministério da Cultura, o mesmo está ocorrendo nos municípios. Resultado, sou chamado de vagabundo por botar livro no mundo. O que o bom senso desconhece é que o dinheiro investido no meu livro contratou um produtor cultural, um diagramador, um revisor e uma gráfica para a impressão. Ou seja, é todo um setor que está sendo atingido. Conclusão: futuro incerto. Mas, se não for dessa forma, haverei de encontrar outras maneiras de me manter produzindo, afinal, quem sobreviveu aos anos noventa, não tem Nada a Temer.
Esses dois livros foram muito importantes para minha trajetória. Por exemplo, o conteúdo do “Nenhum dia sem um traço” foi publicado durante três anos em jornais aqui de Bento Gonçalves-RS e cidades vizinhas. Jornais com tiragens bem interessantes até, porém, meu trabalho ficava restrito a minha comunidade. Quando pude reunir minha produção em um livro, isso me deu oportunidade de participar dos principais eventos de quadrinhos do país, viajando, investindo, comprando espaço nas feiras, alcançando mais leitores e me colocando como parte da cena.
Por favor fique à vontade para falar sobre sua agenda, projetos futuros, agradecimentos ou qualquer coisa.
Considero a arte de produzir quadrinhos a mais fantástica de todas. Para mim, estar em casa, na minha mesa de desenho com o cachorro deitado na porta, minha mulher traz um café no meio da tarde…é a condição ideal. Agradeço imensamente esta oportunidade de expor minha obra, assim como a resenha escrita pelo Édipo Pereira. Isso é muito importante para meu trabalho.
Abraço a todos!
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