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Tangências

O mercado nacional de quadrinhos recebeu um belo upgrade em 2021 com a chegada do espanhol Miguelanxo Prado. Primeiro, a editora Pipoca & Nanquim trouxe Traço de Giz em janeiro, uma obra pra lá de instigante e detentora de uma ruma de premiações. No entanto, a editora Conrad também colocou sua mão em uma das obras do autor, lançando, em março, a antologia Tangências.

A temática das histórias gira em torno do significado da palavra título aplicado às relações atuais, mostrando duas pessoas num ponto crucial dessa dinâmica.

O fato de Tangências ser um projeto muito mais intimista do que Traço de Giz não o torna menor. Pelo contrário: falar sobre a relação de um casal é potencialmente mais desafiador. No entanto, Miguelanxo Prado consegue se sair melhor e, ao mesmo tempo, pior do que no trabalho que lhe projetou internacionalmente.

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“Tu não vai ficar pelado não, queridinho?”

Melhor no sentido da retratação dos corpos. Nessa HQ, podemos ver muito mais da versatilidade do autor, que tira seus personagens de uma ilha e os joga para a redoma da paixão (mesmo que elas se deem muitas vezes em lugares abertos, no mato). Suas aulas de anatomia estão em dia mostrando homens e mulheres nus de corpo e mente.

Pior porque a antologia acaba se tornando repetitiva. Sem exceções, o que vemos são homens e mulheres trocando posições de poder dentro de uma relação de pessoas calejadas emocionalmente. Não estou militando em cobrança de uma diversidade em prol de personagens de gêneros e identidade sexual diferentes (que seria muito legal ter, mas isso não vem ao caso), apenas apontando que uma ou duas histórias desse quadrinho já são o suficiente para você absorver o que ele propõe.

Porém, essas comparações são apenas para tomar nota, porque Tangências não apenas se trata de uma antologia, mas também foi lançada ao longo dos anos, se tornando um encadernado de fragmentos monotemáticos posteriormente. Isso se reflete também no estilo da arte, onde cada história possui estética própria.

Vale a pena ler Tangências?

Demais. A introspecção aplicada por Prado em suas histórias irá levar o leitor mais sensível aos primórdios de sua vida adulta, amorosa e sexual. A ideia de relação perfeita é vendida como possível por conta da dominação exercida pela publicidade em nossa sociedade, e o autor consegue, de certo modo (hora sutil, hora brutal), quebrar essa ideia hegemônica.

Emocionalmente somos imperfeitos, mas isso não significa que sejamos incompatíveis o tempo todo.

Dê uma chance ao autor espanhol. Seja nesta obra ou mesmo em Traço de Giz, você vai encontrar o que há de mais sublime no que se diz respeito à retratação da condição humana. E que venham mais trabalhos de Miguelanxo Prado ao Brasil.