resgate-extraction-netflix-chris-hemsworth-filme resgate-extraction-netflix-chris-hemsworth-filme

Resgate: Irmãos Russo produzem melhor filme de ação da Netflix | Crítica

Ainda me lembro da decepção que foi assistir Crime Sem Saída (2019), filme produzido pelos irmãos Russo (famosos por Vingadores: Ultimato e outros campeões de bilheteria) e protagonizado por Chadwick Boseman (Pantera Negra). Era basicamente a galera da Marvel Studios se aventurando por outros caminhos, mas o longa pecou por apresentar um roteiro preguiçoso e sem grande brilho para outros elementos. Meses depois, a Netflix me brinda com Resgate (Extraction, 2020), um longa exclusivo que faz o mesmo movimento de trazer a turma Marvel para a produção, mas que desta vez acerta em cheio na forma de contar uma boa história de ação.

A trama acompanha Tyler Rake (Chris Hemsworth), um soldado mercenário que está maculado por um grande trauma, o que o leva ao álcool e outros vícios para esquecer dos problemas. Logo surge uma próxima missão: resgatar Ovi (Rudhraksh Jaiswal), o filho de um chefe do tráfico sequestrado pelo líder de uma organização criminosa rival. Após uma série de eventos, Tyler se vê numa caótica situação, repleta de dilemas morais e necessidade de acerto de contas com o passado.

Salta aos olhos a qualidade da produção. Trata-se de uma aventura de ação digna do seu ingresso (que na verdade é o tempo dedicado na tela do serviço), recheada de cenas brutais, ritmo frenético, com perseguições de tirar o fôlego e uma narrativa que promove bem os dramas dos personagens.

resgate-extraction-netflix-chris-hemsworth-filme
Divulgação: Netflix

Marvel + Jason Bourne + John Wick = Resgate

É como se tivéssemos lideranças da Marvel Studios criando algo direcionado ao público adulto. A presença de Chris Hemsworth é o carro-chefe visual desse apontamento, e falaremos dele mais adiante. No entanto, temos na base dessa sustentação a produção dos irmãos Joe e Anthony Russo, diretores dos melhores e mais bem-sucedidos longas da Casa das Ideias. Joe, inclusive, é quem assina o roteiro de Resgate na Netflix.

Seu texto consegue escapar dessas quase duas horas de duração com poucos erros, o que o torna merecedor de elogios. Primeiro, o fato de ser algo que vai direto ao ponto, onde os diálogos não se arrastam demais pois os personagens são bem resolvidos sobre quem são (note que Tyler não demora muito para aceitar uma proposta de emprego potencialmente suicida). Essa proposta permite que o elo principal do filme, a paternidade, seja trabalhado com a ligeireza que lhe cabe. Mas é mérito de Joe Russo manter a estrutura emocional funcionando o tempo todo em torno desse tema, como quando insere a negligência com a criança vulnerável (em diversas camadas sociais, desde a miserável recrutada pelo tráfico até a mais elitizada) culminando no zelo: Tyler não pode abandonar Ovi, enquanto o traficante ampara sua “cria” com a promessa de vingança. Cada um cuida dos seus à sua maneira, e na visão do roteirista isso é um fator determinante para a sociedade que teremos num futuro não muito distante. Tal poder de síntese é uma marca registrada dos roteiros Marvel, inclusive.

Porém, o maior responsável por tornar esse filme algo plenamente atrativo é Sam Hargrave, o diretor. Mesmo sendo desconhecido, ele tem experiência atuando em diversos projetos, em papéis pontuais (e até esquecíveis, como neste onde vive um dos mercenários), mas seu envolvimento como coordenador de dublês é que lhe deu conhecimento empírico para se gabaritar ao trabalho. Além de longas da Marvel, ele colaborou com Atômica, o que ajuda a remeter uma ação no melhor estilo John Wick em diversos momentos.

Apesar de não chegar no nível do balé armamentista que a franquia estrelada por Keanu Reeves entrega, Resgate consegue apresentar coreografias empolgantes e faz uso dos cenários de forma inteligente para evidenciar sua violência. Isso nos leva para outra fonte de inspiração que é a saga Bourne, encabeçada por Matt Damon. A produção da Netflix dá continuidade às suas qualidades filmando as cenas no estilo “câmera na mão” de um modo contínuo (com direito a alguns planos-sequência) que privilegia as lutas e perseguições. O espectador, que consegue ver tudo isso nitidamente na tela, agradece e se envolve.

Divulgação: Netflix

O elenco é repleto de figuras desconhecidas, mas conta com atores competentes. O maior destaque, fora o protagonista, é Randeep Hooda como Saju, uma espécie de elemento fora da trama principal que rivaliza com Tyler em alguns momentos. Há também papéis protocolares e de pouco desafio, como o de David Harbour (mais um que agora é da Marvel, integrante do cast de Viúva Negra). A iraniana Golshifteh Farahani (Nik) é uma figura interessante que poderia ter sido mais explorada, no entanto.

Mundialmente conhecido por interpretar o deus do trovão Thor, Chris Hemsworth chama atenção aqui não apenas por provar mais uma vez que é um ator de qualidade, mas por fazer isso fora do campo da comédia. Ele dá a Tyler a dosagem mínima para convencer quem assiste: hora está compenetrado nas missões, mas também consegue mostrar um cara machucado pela vida e isso não é algo exclusivo do corpo físico. De quebra, fica a impressão de que o ator pode ter encontrado uma vertente interessante na sua carreira, podendo rivalizar com os brucutus modernos como Vin Diesel e The Rock.

Por falar em Dwayne Johnson, o ator já foi cogitado para estrelar esse filme, sabia? Isso por que Resgate é uma adaptação da graphic novel Ciudad, criada pelos irmãos Russo junto com Ande Parks. O projeto data de uma década atrás, de quando os Russo ainda não tinham a projeção que possuem hoje na indústria do cinema. Nesse sentido, parece benéfico que a produção tenha esperado tanto (e passado por naturais mudanças) até pipocar no streaming da Netflix. Só lamento por alguns aspectos da trama original não serem mantidos, como a ambientação na cidade paraguaia que dá nome ao quadrinho, no qual a nacionalidade do chefe do tráfico é brasileira.

No final, temos uma experiência de ação como manda a cartilha das boas películas do gênero, com uma trama direto ao ponto que passa por fontes de inspiração muito adequadas. O final intencionalmente ambíguo não decepciona e permite que esse universo continue a ser explorado. Quem sabe não possam surgir mais coisas interessantes daí?