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O palestrante

Que há um sentimento de “crise de identidade” global, todos já sabemos. Nossas identidades têm sido, em parte, definidas pelo nosso poder aquisitivo, pelas nossas escolhas de consumo, quando, em tese, os moldes de quem somos deveriam vir a partir de decisões relacionadas à ética etc. etc., e há uma grande dificuldade em lutar contra o sistema – algo que não vale a pena ser explorado nesse exato momento. O fato é que essa sensação de impotência é generalizada, mas um grupo em específico de pessoas resolveu abraçar com mais força, gerando o famigerado “mimimi”. Sim, estamos falando deles: os homens comuns.

O tal do homem comum é conhecido por todos, (normalmente) branco, cisgênero e hétero, e traz uma narrativa muito pontual entre si: muitas vezes com um emprego de escritório que odeia e suga a sua vida; não ganha muito ou não tanto quanto merece; seu chefe é um cara rico babaca; é casado ou junto com uma mulher que posteriormente o larga, seja por traição, seja por ela o maltratar, o fazer se sentir um merda o tempo todo e o sexo, se tem, é morno, péssimo etc.

E esse é o protagonista de O palestrante, Guilherme, cuja vida dá de ponta-cabeça quando várias coisas ruins acontecem ao mesmo tempo – a namorada o largar, ele ser corno, ser demitido… -, e decide tomar uma decisão impulsiva, seguindo o conselho de um aleatório, um cara comum que se deu bem ao se demitir e passar a viver a vida loucamente, e “tomando” a identidade de um tal Marcelo Gouveia. Ele segue Denise (Dani Calabresa) para uma cidade no interior do Rio de Janeiro e descobre que o tal Marcelo, na verdade, é palestrante motivacional e que vai passar o final de semana em um hotel junto com a equipe da empresa de Denise para dar diversas palestras. A pobre moça o contratou porque todo mundo a odeia e ela sonha que ele vá salvá-la dessa situação.

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Cena de O palestrante. Crédito da imagem: divulgação

Com essa sinopse, poderíamos achar que o filme é muito divertido. Afinal, o que poderia dar de errado em uma história em que o cara mente para todo mundo para tentar se encontrar na vida e se apaixona pela mulher que o contratou? Já vimos essa história um milhão de vezes em filmes! Sempre dá tudo certo. Só que não.

Desde o começo, o protagonista (Fábio Porchat) tenta engatar várias piadas situacionais, que não funcionam muito bem porque as falas parecem ser lidas diretamente das páginas do roteiro, faltando aquela naturalidade necessária para nos fazer rir nesses momentos. O chefe babaca é tão propositalmente babaca que perde a graça, por exemplo. Isso quer dizer que ninguém vai rir de nervoso quando ele começar o seu discurso motivacional de chefe quando está demitindo o personagem, que equilibra o completo desprezo sobre quem ele é com uma cara de pau absurda em exigir mais trabalho antes que Guilherme nunca mais pise no escritório? Não, mas, para mim, não funcionou.

Guilherme recebe, nesse começou de história, várias vezes o conselho de “viver a vida” e o termo “carpe diem” é usado bastante pelos personagens para exprimir esse sentimento, que é o cerne do filme. Eu acho. Eu espero que seja. Mas enfim. Na pele de Marcelo, ele percebe que não sabe nada de palestra motivacional e que não sabe mentir (rapidamente vemos que isso sim é uma mentira, o que derruba a piada). Guilherme resolve contar a verdade logo de cara, mas, novamente, recebe o conselho de alguém que deveria ser proibido de dar conselhos – nesse caso, o personagem Josué (Antonio Tabet) – e resolve continuar a farsa. O protagonista percebe que até que leva jeito pra isso, mas se sente sufocado em ter que mentir para a empresa para a qual trabalhava (só acontece uma vez e some em dois segundos) e para Denise, que espera que ele salve tudo para ela. Sem brincadeira, ela diz isso. Inclusive, ela repete a mesma fala sobre ter contratado ele como última esperança algumas vezes. Fiquei com medo de ela nunca virar a página, mas deu tudo certo.

Como a antiga empresa some muito rápido do cenário, um cliente seu (Flávio, interpretado por Rodrigo Pandolfo) aparece do nada para adicionar esse fator tensão à trama, causando situações que deveriam ser engraçadas, entretanto, foram tão sem noção, sem nexo, que não rolou – DE NOVO – pra mim.

Em diversos momentos, o roteiro de O palestrante parece buscar uma ideia de inclusão na narrativa, que falha demais  já que, se você apresenta uma ideia legal, ela não deveria vir logo em seguida acompanhada de 50 erradas. Muitas piadas que vão fazer rir são machistas, sexistas, gordofóbicas, sobre tamanho de pau, todas coisas que pessoas costumam achar graça desde a década de 1930, mas que, se você realmente reflete sobre, não tem graça alguma. É só escrotidão mesmo.

Os personagens são sofridos. Além do Guilherme ser apenas o Fábio Porchat tentando ser engraçado, Dani Calabresa parece mais perdida do que criança num supermercado – seu carisma natural é o que parece manter alguma coisa de interessante na personagem, mas, tirando isso, não sobra nada pra coitada. O casal principal protagonizado por eles tem zero química, e ela passa pano para ele até… para sempre, na verdade, mesmo tendo cenas como ele batendo na boca dela. Já Josué é o típico personagem errado que se dá superbem em tudo, e o resto é tão genérico quanto tudo no filme.

A trama de O palestrante, de fato, não é inovadora, e nem tenta. A única coisa que ela tenta é ser engraçada, e aí vai depender do seu humor, de como você encara esse tipo de narrativa e tal. Para mim, foi péssimo.