Em Mandy, Nicolas Cage protagoniza uma trama de horror psicodélico, permeada de elementos místicos e referências pop
Muitas pessoas ficaram intrigadas quando, no início deste ano, foi anunciado que Nicolas Cage faria um filme de terror. Uma combinação que geralmente produz resultados curiosos, seja pela convincente atuação paranoica de Cage ou pelos ótimos memes que ela gera, como em O Beijo do Vampiro (1988) e O Sacrifício (2005). O pôster já remetia a um simbolismo místico e uma atmosfera etérea com um grande triângulo ao centro cercado de cores supersaturadas. No entanto, em meio a um clima de mistério, a real empolgação veio com o lançamento do trailer em junho, juntamente com a inesperada notícia de que o filme havia sido ovacionado no festival de Cannes. No trailer é possível experimentar o impacto audiovisual de Mandy, que mistura cenas oníricas e sangrentas acompanhadas de acordes pesados, numa trama repleta de elementos obscuros e referências pop.
Mandy é o segundo longa-metragem do diretor grego Panos Cosmatos, cujo primeiro projeto, Beyond the Black Rainbow (2010), surpreendeu público e crítica abordando limites tênues entre ciência e misticismo. O despertar místico, tema já presente em seu primeiro filme, agora ganha nova forma em Mandy, uma forma mais impulsiva e brutal. Na trama, Nicolas Cage interpreta Red Miller, um lenhador que tem um relacionamento amoroso com Mandy Bloom (Andrea Riseborough), uma mulher misteriosa e esotérica. Tudo corre bem, até que um culto local sequestra e mata Mandy, incitando a fúria de Red que parte por vingança.
Logo no início do filme surgem os primeiros acordes de guitarra acompanhados de uma curiosa e fúnebre sentença com letras ao estilo de capa de disco heavy metal. Red (Nic Cage) termina mais um dia de trabalho, ao cortar sua última árvore e vai para casa se encontrar com Mandy. Ela traz consigo uma atmosfera etérea e mística, deixando isto claro a todo momento, seja pelos diálogos simbólicos com Red, pelos livros que lê, pelos desenhos que faz, ou até mesmo pelas roupas que usa, ainda que algumas das estampas sejam de bandas de rock como Black Sabbath. O primeiro terço do filme decorre num ritmo lento, com algumas cenas quase estáticas, mas isso é compensado pelo profundo clima mistério e as belas cenas oníricas, cujo simbolismo parece sugerir uma dicotomia entre Red e Mandy e um suposto equilíbrio entre os dois.
Decorridos alguns minutos, conhecemos a seita “Children of the New Dawn”, cujo líder Jeremiah (Linus Roache), logo se interessa por Mandy, quando a vê caminhando pela floresta. Até o momento, há algumas cenas psicodélicas com cores saturadas em neon, mas isso é pouco comparado ao que está por vir. Quando o filme se volta para o culto, a psicodelia predomina, incluindo longas cenas com imagens e vozes distorcidas. Após a morte de Mandy, a segunda metade do filme foca em Red enfurecido, em busca de vingança. Neste momento Nicolas Cage se destaca demonstrando diversos sentimentos como tristeza, frustração, descontrole e fúria em uma longa cena sem cortes. Red, que antes parecia ter uma vida sóbria e pacata, agora se rende aos impulsos e substitui o escapismo que antes era proporcionado por Mandy, pelo entorpecimento das drogas que ele encontra pelo caminho. À medida em que a raiva e os entorpecentes dominam Red, o filme vai se transformando num pesadelo cada vez mais psicodélico e violento, até culminar num final surreal e perturbador, com o bônus de um inusitado sorriso psicótico de Cage que será difícil de esquecer.
O longa faz diversas referências a artes de álbuns de heavy metal, com imagens que misturam o cenário não convencional e o uso das cores, com predominância de vermelho, azul e amarelo respectivamente. Outra contribuição para esse estilo são as animações 2D em alguns interlúdios, cuja estética lembra a animação Heavy Metal (1981), e cumprem bem sua função na trama sugerindo, através de simbolismos, o que está por vir. Além disso, há referências a filmes de terror dos anos 80 como Sexta-feira 13 (1981), pelo nome do lago próximo a casa do casal (Crystal Lake); Hellraiser (1987), pelo estilo de certos asseclas do culto, surgindo como como silhuetas cercadas de fumaça com uma série de pregos cravados em seus corpos; e ainda há referência ao Massacre da Serra Elétrica II (1987) e sua icônica cena de batalha de motosserras, que em Mandy tem a ilustre presença de um Nicolas Cage alucinado.
O filme conta com a excelente trilha sonora de Jóhann Jóhannsson (A Teoria de Tudo, Os Suspeitos), falecido no início deste ano. Para os amantes de dark synthwave a trilha funciona perfeitamente como um álbum independente, preservando ainda sua capacidade de contar uma história. Ainda destacam-se as ótimas atuações, não só de Cage, como de Andrea Riseborough, que possui expressões marcantes e de Linus Roache que encarna muito bem um egocêntrico líder de culto à la Charles Manson. A trama trabalha bem as interfaces entre o despertar místico e a paranoia culminando num final dúbio entre a transcendência e a insanidade. Mesmo que o espectador estranhe inicialmente e não consiga imergir na narrativa, Mandy continua sendo uma impactante experiência audiovisual, muito recomendada para quem busca novos horizontes no horror contemporâneo.
Mandy estreou 14 de setembro nos EUA e não tem previsão de chegar aos cinemas no Brasil.