7 Prisioneiros

Todo mundo quer mudar de vida. Quer dizer, todos que vieram de baixo possuem essa ambição, o sonho de um dia ocupar o mesmo espaço que aqueles que nasceram com tudo nas mãos. No entanto, as regras do jogo mudam de acordo com a raça e a classe do jogador. Infelizmente, a realidade é que a maioria não consegue romper as barreiras do sistema. E pior, por vezes, é preciso alimentar o próprio sistema para conseguir algum tipo de sucesso. 7 Prisioneiros, novo longa nacional da Netflix, retrata um pouco desse quadro. E deixa a pergunta no ar: até onde você é capaz de ir para sobreviver?

Seduzidos pela promessa de uma vida melhor para si e seus familiares, um grupo de amigos formado por Mateus (Christian Malheiros), Samuel (Bruno Rocha), Isaque (Lucas Oranmian) e Ezequiel (Vitor Julian) parte do interior rumo ao centro de São Paulo. Chegando lá, eles conhecem Luca (Rodrigo Santoro) e logo descobrem na pele que o sonho não passa de um interminável pesadelo. Entre os vários comentários sociais presentes, o longa aborda principalmente as condições daqueles que vivem em situação análoga à escravidão. E o pior, bem debaixo do nosso nariz.

Em seu segundo trabalho, o diretor Alexandre Moratto (Sócrates) demonstra um domínio precioso da narrativa. A realidade apresentada aqui é cruel e precisa ser encarada da mesma forma pelo espectador. Logo, ele evita diálogos carregados de sentimentalismo, deixando com que as expressões dos personagens transmitam suas dores e frustrações. Os breves momentos de esperança e inocência logo são subjugados pela violência física e mental imposta por Luca. Ainda assim, 7 Prisioneiros é eficiente em sua mensagem e na construção de seu microuniverso. No entanto, vale um alerta. Aqueles que esperam um thriller de ação ou suspense podem sair decepcionados. O foco aqui não é esse. Desconforto é a sensação presente durante todo o longa.

Produzido por Fernando Meirelles (Cidade de Deus) e Ramin Bahrani (O Tigre Branco), o longa é uma extensão da habilidade de ambos os diretores em retratar histórias de exploração e da luta ferrenha entre oprimido e opressor. Aliás, essa é uma evolução natural do que o próprio Moratto apresentou em seu primeiro trabalho de direção. Sua câmera transforma o ferro velho, e até a própria cidade, numa imensa prisão. Contrastando com a liberdade do interior que aparece logo no início da película.

O roteiro escrito por Moratto e Thayná Mantesso investe toda sua energia na evolução da relação entre Mateus e Luca. Os nomes mais famosos do elenco carregam a responsabilidade de conduzir a história do primeiro ao último segundo, executando tal missão com maestria. Apesar do título, 7 Prisioneiros pode ser resumido por esses dois personagens, com os demais servindo como engrenagens menores, mas sem muita profundidade. Esse é o grande pecado do filme, embora não diminua sua qualidade.

Voltando aos personagens de destaque, é interessante a maneira com que o texto estabelece a dualidade entre ambos. Mateus transforma o ódio por Luca numa ferramenta para buscar uma saída para ele e seus amigos. Nesse processo, ganha a confiança de seu carcereiro e passa a emular seu comportamento. Ao vislumbrar a crueldade do sistema no qual está inserido, o protagonista precisa escolher entre uma possibilidade de crescimento, que o transformaria no mesmo tipo de pessoa do homem que o colocou ali, ou retornar ao ponto de partida de seu sofrimento. Essa é a tal dinâmica entre o oprimido e o opressor.

Christian Malheiros é uma força da natureza. Apesar da curta carreira, ele engole cada papel como se fosse o último prato de comida. A sintonia entre o diretor e ele, que trabalharam juntos em Sócrates, é essencial para o sucesso de sua interpretação. Sem grandes discursos, Malheiros entrega tudo através do seu olhar. Cada ato questionável é acompanhado de uma expressão de angústia e tristeza. Seria ele tão diferente de Luca? Já Rodrigo Santoro é talentoso ao ponto de imprimir humanidade ao seu vilão sem jamais buscar algum tipo de redenção.

7 Prisioneiros é um filme necessário e extremamente bem executado. Sem grandes momentos de ousadia, o longa aposta numa estrutura simples em prol da exploração de sua problemática. Com uma qualidade técnica invejável, os elogios que recebeu pelos festivais em que foi apresentado são merecidos. É por permitir que histórias assim sejam contadas que o cinema é tão importante. Fica a esperança de que esse sistema um dia possa ser derrubado, mas sem custar tantas vidas.