Desde que chegou ao fim, Game of Thrones deixou uma certa lacuna no mundo das séries de fantasia. Com essa oportunidade única em aberto, diversos serviços de streaming e canais de TV estão trabalhando em produções que buscam tomar o posto de nova querida do público. A própria Netflix lançou The Witcher, apoiada no carisma de Henry Cavill. Já a Amazon decidiu explorar o universo de O Senhor dos Anéis. E assim, as tentativas vão se acumulando. Sombra e Ossos é mais uma aposta do gênero, trazendo elementos familiares ao público em geral. E mesmo com problemas, é um início promissor de aventura.
Baseada na saga de livros Grishaverse, da autora Leigh Bardugo, a série acompanha os jovens Alina Starkov (Jessie Mei Li) e Malyen Oretsev (Archie Renaux), uma dupla de órfãos que vive em um mundo repleto de misticismo e perigos. Quando precisam atravessar “A Dobra”, um local dominado por monstros, Alina descobre que possui habilidades até então tidas como lendárias. É desse ponto que sua vida e de todos ao seu redor passa por uma enorme reviravolta.
Em sua estrutura básica, Sombra e Ossos possui os mesmos clichês de gênero presentes em outras obras. O triângulo amoroso, a protagonista escolhida para salvar o mundo, a luta do bem contra o mal, magia (aqui chamada de Pequena Ciência) etc. Seu principal trunfo consiste em trabalhar esses aspectos junto com uma satisfatória construção de mundo. Por vezes, entender esse novo universo é mais interessante do que acompanhar os passos da heroína. É preciso destacar o design de produção da série, que se aproveita muito bem das locações palacianas, ao mesmo tempo que constrói becos sujos e florestas tomadas por neve. Esse segmento visual é importante até para estabelecer a mitologia dessa realidade.
Por falar nisso, a temporada não perde muito tempo com explicações. Apesar de algumas passagens expositivas, o espectador precisa dedicar atenção para compreender aspectos sociais e mudanças de localidades. Para quem nunca teve contato com o obra, como eu, é um empecilho inicial. Por sorte, o dinamismo dos episódios e a curiosidade despertada pela trama tornam o processo mais natural. Existe também uma interessante mistura de magia com um subtexto étnico e cultural, debatendo temas como racismo e xenofobia.
Com tantos elementos e acontecimentos simultâneos, a série precisa trabalhar com vários núcleos distintos entre si. E esse é principal defeito do primeiro ano de Sombra e Ossos. O tom da série acaba prejudicado, justamente por precisar dividir o foco entre tantos personagens. Alina é quem mais sofre, sendo vítima das piores vertentes dos já citados clichês de gênero. Sua curta estada no palácio dos Grishas é marcada por romantismo barato e discussões infrutíferas sobre beleza e inveja, além de demonstrações de poder em jantares luxuosos. A protagonista, que possui características interessantes, perde muito da habilidade de fisgar o público. Por sorte, isso muda na segunda metade da temporada.
Por outro lado, a trama dá um destaque especial para o trio de bandidos formado por Kaz (Freddy Carter), a habilidosa Inej (Amita Suman) e o divertido atirador Jesper (Kit Young). A dinâmica entre eles concede um frescor narrativo para a trama, especialmente nas sequências de ação. Esbanjando carisma, a trinca acaba roubando os holofotes dos protagonistas. Infelizmente, isso contribui para a fragmentação da temporada, onde nem tudo em tela é tão interessante quanto deveria ser. No entanto, quando esses diferentes núcleos convergem, a estrutura narrativa retoma sua melhor forma.
Nas atuações, Ben Barnes merece destaque. Ele consegue evitar que seu personagem seja apenas um vilão genérico, se aproveitando do roteiro para entregar uma interpretação minimamente intrigante. Archie Renaux possui bastante carisma por trás de sua postura militar, além de uma química envolvente com a protagonista. Mesmo com armadilhas da história, Jessie Mei Li se entrega em sua personagem. Com a possibilidade de novas temporadas, ela pode encontrar o tom certo para a heroína dessa história.
Ao mesclar um ar de aventura juvenil com algumas questões mais maduras, além de uma ótima construção de mundo, a primeira temporada de Sombra e Ossos desponta como uma divertida opção no catálogo da Netflix. Com alguns ajustes pontuais no futuro, especialmente nos rumos da protagonista, tem tudo para se destacar no meio de tantas adaptações vazias.