Não sou muito fã de comparações, apesar de saber que a cultura pop se alimenta disso. Toda nova série grandiosa de fantasia surge como a “nova Game of Thrones”, assim como qualquer produção estrelada por adolescentes enfrentando o fim do mundo será taxada como a “nova Stranger Things”. Isso gera uma curva de expectativa que, na maioria dos casos, afeta a percepção do público sobre o material em questão. Paper Girls, nova série original do Prime Video, certamente está passando por isso. E não se deixe levar pelas aparências, ela passa longe de seguir os mesmos passos do grande sucesso da Netflix. Ainda bem.
Baseada na famosa HQ escrita por Brian K. Vaughan e ilustrada por Cliff Chiang, a série é um coming of age com elementos de ficção científica, sendo que esse último aspecto fica em segundo plano no desenrolar da temporada. A trama acompanha as quatro protagonistas, Tiff (Camryn Jones), Erin (Riley Lai Nelet), KJ (Fina Strazza) e Mac (Sofia Rosinsky), na noite após o Halloween. A única ligação entre elas é o fato de serem entregadoras de jornal e sofrerem nas mãos de valentões. Tudo muda quando pessoas estranhas surgem e elas acabam presas numa grandiosa guerra temporal. Após os eventos caóticos do primeiro episódio, Paper Girls investe seu tempo no desenvolvimento de suas personagens principais, com a batalha entre os grupos rivais servindo como um bônus em tela.
Vou tratar do sci-fi logo no início desse texto, pois os próximos parágrafos serão dedicados ao que realmente é cativante nessa primeira temporada. Os roteiros evitam mergulhar em explicações complicadas e detalhadas sobre os aspectos da viagem no tempo. O visual dos principais antagonistas é genérico e o discurso sobre linhas temporais e a importância de se manter a ordem é extremamente batido. Embora seja divertido ver Jason Mantzoukas andando no campo de batalha de bermuda, luta de robôs gigantes e até dinossauros, a profundidade desse aspecto na trama passa longe de ser um buraco de minhoca.
Sendo assim, o que mantém Paper Girls funcionando ao longo dos oito episódios é a interação entre o quarteto principal. A showrunner Stephany Folsom compreende a principal força do material base e replica em sua adaptação, criando uma imediata ligação emocional entre o espectador e as talentosas jovens atrizes em tela. Aprendemos junto com elas como a dinâmica dessa nova realidade funciona, assim como sentimos seus medos, suas inseguranças e seus sofrimentos.
É engraçado como séries teen vacilam justamente na hora de focar nos conflitos geracionais de seus personagens. Aqui, o texto faz um trabalho magistral nesse quesito. Em nenhum momento esquecemos que estamos acompanhando garotas de 12 anos que mal compreendem como o mundo funciona de fato. Cada uma com sonhos e anseios particulares, mas que dividem as mesmas dúvidas. O exemplo perfeito disso é a cena onde elas precisam descobrir como usar um absorvente enquanto lutam por suas vidas. Sem soar didático ao extremo, o roteiro entrega temas como mortalidade, expectativa sobre o que seremos no futuro e o choque de realidade sobre o que nos tornamos, discussões sobre independência e seguir seu próprio caminho. Honestamente, não lembro de ver algo assim em produções similares recentes.
O elenco é o ponto alto de Paper Girls, com cada jovem atriz se doando de corpo e alma ao seu respectivo papel. A dinâmica em cena entre elas cresce na medida em que se tornam amigas de fato na trama. Os episódios acertam ao separá-las em duplas distintas, favorecendo seus desenvolvimentos e dando tempo de tela para que todas possam brilhar. No núcleo dos adultos, destaque especial para Ali Wong e Sekai Abenì.
Paper Girls não é a série mais grandiosa desse ano, muito pelo contrário. No entanto, ao evitar nostalgia barata e focar no que realmente importa, demonstra um coração enorme e qualidade suficiente para ser um destaque no catálogo do Prime Video. E não deixe o jovem elenco te enganar, existem mensagens importantes para todas as faixas etárias presentes nessa primeira temporada.