As ditas séries de True Crime estão cada vez mais famosas em serviços de streaming. Em podcasts não é diferente, desde o famoso programa gringo Serial, esses podcasts chamados de storytelling, geralmente em formato documental, ganharam a internet. No Brasil, o Projeto Humanos, encabeçado pelo criador do Anticast, Ivan Mizanzuk, estourou na sua quarta temporada contando o caso do Evandro, uma trama envolvendo política, desaparecimento de crianças e magia negra. A fama foi tanta que a própria Globo se interessou, produzindo uma série documental exclusiva para a Globoplay em 2021.
O Caso Evandro fala sobre um caso famoso que ocorreu no início dos anos 1990. Resumindo, para não dar spoilers, um garoto sumiu e foi encontrado dias depois morto na mata em uma cidade do Paraná. Os acusados do crime são a família do prefeito da cidade e pais de santo que supostamente teriam matado a criança em um ritual de magia negra. Quando os acusados e advogados de defesa começam a contar sua versão dos fatos, a história se desenvolve em uma trama de mistério cheia de reviravoltas, brigas políticas e mistério.
Como uma pessoa que acompanhou o podcast desde o seu início, fiquei muito curioso e empolgado para ver como a história seria tratada em forma de vídeo. E acredito que os diretores Aly Muritiba e Michelle Chevrand fizeram um ótimo trabalho, melhor do que eu esperava. Apesar de ser triste e difícil de se digerir, queria ver o rosto das pessoas que tanto ouvi no podcast. Queria ver os lugares. A série possui uma produção muito boa, contando com uma fotografia que representa Guaratuba não como um local ensolarado onde você quer passar as férias, mas como uma cidade lúgubre, que parece que saiu direto de um filme de David Fincher.
Nos momentos em que faz reconstituição das cenas, em vez de cair na breguice, a série conta com uma ótima direção que representa as situações de forma mais minimalista, sempre evitando mostrar os rostos das pessoas envolvidas. Em alguns momentos, a série utiliza do poder do audiovisual para ilustrar o que está sendo dito pelos entrevistados, usando de truques de câmera e efeitos especiais simples para dar um charme na cena, algo que seria impossível no podcast. Dessa forma, torna-se um complemento superútil para quem já ouviu o programa em áudio e também para quem não tem paciência e quer uma versão mais resumida dos fatos. O Caso Evandro é algo complicadíssimo, todo o estudo que Mizanzuk fez se perde um pouco na narrativa mais contida da série, mas, mesmo assim, ela faz um bom trabalho em apresentar uma versão mais palatável do caso.
Outra novidade trazida pela série são as entrevistas com pessoas envolvidas, desde acusados até representantes da justiça. A melhor sacada é alternar os discursos do principal advogado de defesa com o promotor do caso, que geralmente apresentam pontos divergentes, trazendo uma dinâmica muito interessante aos episódios. O final ainda traz algo totalmente inédito, apresentando novas provas que mudam totalmente a percepção do caso e filmando a reação das pessoas envolvidas.
É muito difícil contar uma história sem fim. Por que é isso que o Caso Evandro é. Nas décadas em que rolou, com diversas reviravoltas e longos tribunais, várias versões foram apresentadas e poucas perguntas foram respondidas. Até hoje, a morte da criança continua sem um culpado confirmado. Mas nós, como seres humanos, precisamos de histórias que possuam um final e uma moral, para dar sentido às nossas vidas entregues à aleatoriedade. Dessa forma, tanto o podcast como a série fazem um ótimo trabalho em tentar tirar alguma lição. O Caso Evandro, da forma como ocorreu, não poderia ter acontecido em outro país. Os problemas envolvendo política, polícia, torturas e mídia são um retrato do Brasil dos anos 1990 pós-ditadura e ainda refletem como nossa nação é até hoje.
Fugindo do sensacionalismo, O Caso Evandro mira nos alvos corretos, denunciando problemas que ocorreram e ainda ocorrem no nosso judiciário. Uma criança foi morta. Não descobriram quem foi. Pessoas poderosas foram julgadas injustamente. Isso faz a gente pensar que toda essa desgraça poderia ter acontecido com qualquer um de nós. Nos indigna e nos faz querer mudar as coisas. Esse é o poder das histórias. E esta é dura, sem final feliz e aterrorizante, mas é muito importante para o Brasil de 2021, onde nossa democracia está sendo ameaçada cada vez mais todos os dias.