No mundo das séries, é comum esticar a duração de uma atração em razão do seu sucesso, mesmo que isso signifique abrir mão da qualidade durante a jornada. Por isso é tão estimulante acompanhar uma história que já nasce com todo o seu destino traçado, sem espaço para muitas voltas. Dark certamente faz parte desse segundo grupo, justificando assim sua posição como uma das joias raras da Netflix. Ainda que seja impossível escapar de alguns deslizes.
O texto a seguir contém SPOILERS da temporada!
A missão desse encerramento não era das mais fáceis. As duas temporadas anteriores estabeleceram regras, exploraram personagens, apresentaram situações complexas e geraram todo o tipo de teoria na cabeça dos fãs. Mas, com o talento de Baran bo Odar e Jantje Friese, o último ciclo dessa história não apenas consegue dar um desfecho digno para boa parte de seus núcleos, como ainda ousa explorar um pouco mais elementos que já pareciam bem definidos. Como por exemplo, a quebra das viagens temporais de 33 em 33 anos e a inserção de um terceiro mundo, para tornar a equação mais complexa.
Contudo, os roteiros dos oito episódios mostram que Dark possui uma sólida lógica interna. Algo que nem sempre é encontrado em produções sci-fi. As transições entre a “Terra-1” e aquela cuja existência é revelada no fim da segunda temporada são fluídas, dando ao espectador o tempo suficiente para se acostumar com as mudanças. A ideia de fazer dessa nova dimensão um espelho da “original”, com alterações interessantes, evita uma fadiga visual. Além de complementar bem o conceito do nó invisível que liga todos os personagens de Winden.
Algo que Dark também faz muito bem é trabalhar o aspecto das emoções humanas em paralelo aos conceitos de viagem no tempo e múltiplas dimensões. As atitudes questionáveis de determinados personagens são movidas justamente por aquilo que nos diferencia de boa parte dos seres vivos. Amor, sacrifício, compreensão da mortalidade, perseverança, inveja, tudo isso permeia a trama. Indo muito além da nossa tendência de dividir tudo em dois grupos: bem e mal, luz e trevas. Pensamento esse que é repetido exaustivamente durante as temporadas.
Porém, se a história funciona num aspecto geral, alguns problemas ficam evidentes quando aproximamos a lupa. O excesso de núcleos acaba gerando um desbalanceamento de foco, com determinadas linhas narrativas ganhando mais tempo de tela do que o necessário. Não que sejam desinteressantes, mas não contribuem para o andamento da trama. Inevitavelmente, isso cria a sensação de uma barriga narrativa e levanta um questionamento sobre a utilização da longa duração dos episódios finais. Levando assim ao próximo deslize.
Dark assume um texto expositivo em sua reta final, caracterizado pelo uso de narrações em off e diálogos até redundantes entre certos personagens. Apesar de garantir que o espectador tenha a maior parte de suas dúvidas sanadas, isso desagrada aqueles que preferem mais espaço para interpretações próprias. Apesar de ser uma marca do gênero, sinto que faltou um pouco de ousadia nos momentos decisivos. A resolução das principais questões também cobra do público uma certa suspensão de descrença. Especialmente pela maneira como questões tão importantes são abordadas.
Os aspectos técnicos de Dark continuam primorosos. A fotografia equilibra bem o tom sombrio e pessimista da cidade com a utilização da luz e dos efeitos que marcam cada linha temporal. O investimento nos figurinos e cenários é essencial para que o fluxo de mudança não pareça artificial. Mesmo sem as datas aparecendo na tela, é perfeitamente possível se situar nos períodos apresentados. A trilha sonora é outro elemento marcante, casando muito bem com a identidade visual da série.
Dark não reconstrói as estruturas das séries de TV, mas com certeza mostra que ainda é possível seguir por caminhos extremamente criativos. E, seja você fã ou não da produção, é preciso admitir que vai demorar para encontrar algo desse nível num futuro próximo. Quem sabe daqui a 33 anos…