Euphoria, a polêmica nova série da HBO, dá acesso ao indigesto quarto de adolescente que muitos preferem manter trancado
Jules, uma garota trans, marca um encontro através da um aplicativo de relacionamentos com um pai de família casado. Kat, que não possui um corpo padrão, descobre que também pode ser atraente e passa a ganhar dinheiro mostrando suas curvas na internet. Rue manda ver nas drogas em troca de alguns segundos onde se sinta viva de verdade.
Sinto lhes informar, papais de plantão, mas Euphoria, nova série da HBO, traz sim um retrato fiel da juventude nos dias de hoje. Claro que não estou aqui generalizando e dizendo que um jovem na atualidade, para passar por essa fase da existência humana, é obrigado a viver todo esse lado mais “punk” da adolescência. Mas não podemos também tapar o sol com a peneira e fingir que isso tudo está muito longe de nós.
Olhando por essa lado, o programa é relevante por mostrar sem pudores o que cerca a juventude, servindo ainda de alerta para pais que educam seus filhos à distância na era da internet e dos smartphones. É bem verdade que a série pode ser muito chocante para algumas pessoas, que talvez não estejam preparadas para seu conteúdo extremamente gráfico. Mas se refletirmos um pouco, o que é mostrado está perfeitamente dentro do script proposto e deveria trazer discussões que vão além de críticas rasas ao excesso de nudez, violência e consumo de drogas. Acredito que é muito mais construtivo pegar um material como esse e, a partir dele, abrir-se para reflexões e até mesmo diálogos sobre os diversos temas apresentados. Só que, evidentemente, a “bancada dos ultraconservadores” prefere fechar os olhos para tais assuntos e fingir que tudo isso não existe, educando seus filhos dentro de uma bolha (ou pelo menos acreditando que eles estão nela).
Apesar dos méritos, Euphoria não é perfeita. Quebrando com a sua própria lógica, alguns personagens, como o traficante “bonzinho” Fezco (interpretado por Angus Cloud) e seu assistente de cerca de 10 anos (Javon ‘Wanna’ Walton), soam inverossímeis. Ou mesmo caricatos, como é o caso da mãe de Lexi (Maude Apatow) e Cassie (Sydney Sweeney), que em todas as cenas aparece com um drink na mão. Conseguimos entender que a série quer dar camadas ao traficante ou, no caso da mãe, mostrar como sua vida é uma desgraça e ela não consegue parar de beber, mas o roteiro poderia ser menos preguiçoso com eles.
O que não acontece com diversos outros personagens, que ganham um tratamento muito mais caprichado dos roteiristas. Zendaya (a atual Mary Jane dos cinemas) é uma que tem um ótimo material para trabalhar e segura bem a onda no papel de dependente química, entregando uma performance muito consistente. Sua personagem Rue é a narradora da série, com diversas outras histórias ganhando relevância e tudo voltando de novo para ela, que carrega desde a infância distúrbios emocionais e descobriu nas drogas um caminho para fugir da realidade – temas como esse que deveriam estar sendo discutidos.
Outro aspecto que chama atenção na série é o seu apuro técnico, o que já costuma ser algo que acompanha as produções da HBO. Esse selo de qualidade brinda o espectador com uma ótima fotografia e inteligentes sacadas visuais, como, por exemplo, a de trazer para a gente a visão de uma pessoa chapada, mostrando Rue literalmente subindo pelas paredes.
Euphoria, exibida pela HBO aos domingos à noite (23h), pode não agradar a todos, mas se mostra disposta a dar acesso a um quarto cheio de incômodas verdades sobre a adolescência. Aos que preferem ficar de olhos fechados, melhor então nem pegar as chaves.