Depois do lançamento estrondoso de Avatar em 2009, começaram a pipocar notícias trazendo um assunto curioso: a síndrome de depressão pós-Avatar. Sim, senhoras, senhores e senhories! Milhares de pessoas ao redor do mundo ficaram/ficam depressivas após assistirem ao filme, e não tem nada a ver com o fato dele ser ruim (ele não é), e sim com a vida medíocre que esse público tem.
A conexão com Pandora
Avatar foi lançado em 18 de dezembro de 2009. Sua história gira em torno dos Na’vis, povo nativo da lua Pandora, que luta pelos recursos do planeta e contra a ocupação humana, que explora o seu solo em busca de metais valiosos. O cenário é, no mínimo, exuberante, com cores lindas e um visual natural que enche os olhos. Ali, Jake Sully (Sam Worthington), o protagonista, vive uma aventura épica, com ação e romance, ao lado de Neytiri (Zoe Saldaña) – princesa dos Na’vis, que precisam não somente defender os recursos do seu planeta, como garantir a sobrevivência do seu povo. Para isso, entram em guerra com os invasores. Vale a pena deixar claro que o filme repete a velha narrativa racista de salvador branco, mesmo que não seja o foco.
James Cameron, o idealizador desse universo, em entrevista com a GQ contou que a ideia para Avatar surgiu de um sonho que teve em sua adolescência, no qual havia o mesmo tipo de floresta encontrada no filme, bioluminescente, com um chão repleto de um musgo roxo que brilha quando pisam nele e criaturas que só pertencem àquele universo. A sua criação transborda vida, graças a tecnologia usada na sua concepção.
Apesar do tom distópico, por se passar num futuro distante (2154), Pandora traz uma utopia verdejante, que confunde o espectador e o faz desejar estar ali, naquele lindo planeta, tendo aquelas crenças, aquele apego ao natural que não temos no mundo real. Traz uma provocação por meio de Sullivan, que, no final, deixou seu corpo humano deficiente para trás e tornou-se completo como Na’vi – que é apresentado sob a ótica do “bom selvagem”, “aquele no qual os índios do novo mundo são vistos como indivíduos ainda não corrompidos pelo desenvolvimento da civilização”. Cameron evoca a ideia de que o ser humano deveria retomar um estágio anterior, primitivo, como um saída para o instinto destrutivo da humanidade – em suma, o diretor, de forma “implícita” durante o filme, sugere caminhos alternativos para a resolução do problema mundial do aquecimento global, por exemplo.
Cameron comentou em entrevista à National Geographic:
Seria preciso ter um profundo respeito espiritual pela harmonia e equilíbrio da natureza. Não temos mais esse respeito, então, não é possível alcançar essa meta a partir da situação atual. É preciso reaprender isso. Temos que aprender o que a humanidade já soube, mas esqueceu ou reprimiu.
Na mesma entrevista, o cineasta conta que ele teve a intenção que trazer toda essa carga ambientalista para dentro de seus filmes. A exemplo de Avatar: O Caminho das Águas, que pretende lembrar às pessoas como eram os oceanos há 300 anos ou mais, nos convidando a apreciar essa experiência subaquática e, quem sabe, trazer o desejo de se reconectar com a natureza.
A intenção não é pedir ao público para considerar o filme como algum tipo de demonstração tecnológica, e sim que o público sinta que fomos a Pandora e que tudo foi filmado como um grande documentário.
Para Susana Magalhães e Joana Araújo, do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa (Porto), a obra de Cameron é vista como um instrumento lúdico a serviço da conscientização do homem sobre a sua relação com o meio ambiente.
E, para a grande surpresa, seu objetivo de manipular o sentimento do espectador deu relativamente certo.
A síndrome de depressão pós-Avatar
Logo após o lançamento do primeiro filme de Avatar, parte do público começou a postar em fóruns online sobre se sentirem tristes e insatisfeitos com a própria vida.
Em entrevista ao The Guardian, uma pessoa anônima falou sobre sua experiência após assistir ao primeiro filme:
Desde que eu assisti Avatar, estou depressivo. Assistir ao incrível mundo de Pandora e os Na’vi me fez querer ser um deles. Eu até mesmo pensei em suicídio, com a ideia de que eu iria renascer em um mundo parecido com Pandora e que tudo seria exatamente como em Avatar [em tradução livre].
Claro, quando citamos depressão aqui, não é um diagnóstico psiquiátrico, é apenas uma alusão à doença, pois as pessoas que possuem/possuíam a síndrome de depressão pós-Avatar sentem algo muito semelhante ao que pessoas depressivas sentem.
O filme nos provoca a nos sentirmos tristes por não estarmos conectados à natureza, preocupados com o futuro do planeta e insatisfeitos com a vida que vivemos – principalmente dentro dos moldes capitalistas, que destroem o meio ambiente sem dó nem piedade. Claro, são emoções comuns, e o que muda, no caso, é a intensidade com que essas pessoas as recebem.
Outra fonte anônima disse que o filme nos lembra da feiúra da vida real, e nos comparamos àqueles personagens que saem vitoriosos em sua recuperação da relação “humano x natureza”.
E você se pergunta ‘por que eu, nós, não podemos fazer isso, por que não podemos fazer isso?’. Toda a insatisfação com o mundo ao seu redor surge e cria uma expectativa que te frustra: não porque você é louco, mas porque é sensível a questões existenciais e não tratadas que você reconhece na vida real. Não é uma fantasia, é uma reação emocional devido ao apego à realidade.
Tatiana Monassa, graduada em cinema pela Universidade Federal Fluminense, diz, em seu artigo escrito para a revista Contracampo, que:
James Cameron não recorre a uma civilização ‘pré-homem branco‘ como depositário de um ideal de sabedoria maior, mas a uma raça que consiste numa espécie de ‘pós-homem‘: visual futurista, potencialização de utopias do nosso tempo e plena realização de desejos que projetamos no futuro. A floresta florescente de Pandora e suas mirabolantes ‘conexões‘, que permitem a circulação de vontades, sentimentos e memórias como dados em uma rede de computadores; os corpos magros e esguios dos Na’vi, que movimentam-se com leveza impressionante numa atmosfera com baixa gravidade.
Esse pós-homem traria uma perda de individualidade, de acordo com Monassa, mas uma grande conexão com os outros ao redor, o que, para essas pessoas nos fóruns que exprimem sentimentos de profunda solidão, parece ótimo. Um senso de pertencimento é o que muita gente quer e não tem, principalmente por não ser aceita e sim obrigada a se integrar da maneira como outros querem, atendendo expectativas irreais e dolorosas. No universo de Pandora, como Na’vi, não aconteceria isso, pois é uma nação unida e conectada com a natureza.
Essa insatisfação pessoal com a destruição do meio ambiente e a própria falta de ligação com a natureza culminou em algo que Cameron chama de “distúrbio de déficit de natureza” e levou a várias dessas pessoas a se moverem em relação ao cuidado ambiental, trocando figurinhas sobre a melhor forma de lidar com os sentimentos depressivos pós-Avatar, convidando seus colegas de dor a vivenciarem, de fato, a experiência sensorial proposta pelo diretor em seu longa. Por exemplo, conversam sobre como reduzir o consumismo e o desperdício. Em outras palavras, há sim uma cura.
Ancient Forest Alliance, uma organização sem fins lucrativos Canadense que se dedica a proteger florestas antigas, observou esse fenômeno depressivo e desenvolveu uma cura em três passos: sair de casa e viver a natureza de fato – sem ser só dando uma voltinha num parque perto de casa! -, agir de forma a defender a natureza e convencer outros para que façam o mesmo. Ou seja, se reconecte com o natural sagrado, experimente a natureza em caminhadas, acampamentos, viagens, da maneira que for mais conveniente para você, e conscientize as pessoas ao seu redor.
O próprio James Cameron tornou-se vegano, juntamente com a esposa, e vive em uma fazenda, de onde tira seus vegetais orgânicos. Em suas palavras, sua decisão em se tornar vegano foi pautada em motivações éticas e ambientais, e “uma vez que você tem a consciência e dá esse passo em direção ao consumo consciente, vencem todos. A nossa saúde, o ambiente, os animais, seu bolso, para não falar do nosso peso por não consumirmos gordura animal”.
Nos fóruns, Ivar Hill, um fã sueco com 17 anos na época, escreveu:
“Quando eu acordei essa manhã, depois de ter assistido Avatar ontem pela primeira vez, o mundo pareceu… cinza. Era como se toda a minha vida, tudo o que eu havia feito e trabalhado por, perdeu o significado. Só me pareceu tão… sem sentido. Eu não vejo razão alguma para continuar… fazendo coisas, no geral. Eu vivo em um mundo que está morrendo” [em tradução livre].
Para a sua sorte, a cura já havia sido encontrada e, após conversar com outros fãs, ler filosofia e gastar mais tempo na natureza caminhando, repensou sobre esses sentimentos negativos. “Avatar fez com que eu sentisse como se eu simplesmente pudesse sentar em uma floresta e só ficar lá” [em tradução livre]. Para fechar com chave de ouro, atualmente ele está casado com uma mulher que conheceu em um desses fóruns de Avatar. Dá-lhe James Cameron!
Então, se após Avatar: O Caminho da Água, você se encontrar depressivo, lembre-se da cura, que você não está sozinho(a/e) e há esperança.