Neil Gaiman enxerga os Deuses de forma peculiar
Alguns autores se destacam por abordar suas histórias de forma grandiloquente, voltando suas atenções para momentos grandiosos. Outros preferem o caminho intimista, onde o mundo externo não possui tanta importância uma vez que ele continuará o mesmo, aconteça o que for com seus personagens. Neil Gaiman consegue fazer tudo ao mesmo tempo de forma magistral como visto em Sandman, mas também é capaz de separar os tons como no excelente Deuses Americanos. Em “Os Filhos de Anansi“, o autor leva seus deuses para o seu nostálgico mundo de traços mais íntimos e despreocupado com o ambiente externo.
Sinopse: Charlie Nancy tem uma vida pacata e um emprego entediante em Londres. A pedido da noiva, ele concorda em convidar o pai para seu casamento e fazer disso uma tentativa de reaproximação, já que há vinte anos os dois não se falam. Enquanto isso, no palco de um karaokê na Flórida, o pai de Charlie tem um ataque cardíaco fulminante. A viagem de Charlie até os Estados Unidos para o funeral acaba se tornando a jornada de uma nova vida. Charlie não tinha ideia de que o pai era um deus. Menos ainda de que ele próprio tinha um irmão. Agora sua vida vai ficar mais interessante… e bem mais perigosa.
A ideia de que os deuses carentes de fé seguem vivendo entre os seres humanos continua aqui, mas com as atenções muito mais voltadas para o humor, característica que permeia ao longo das mais de trezentas páginas do livro. Não se trata, porém, de piadas escrachadas ou meros alívios cômicos: o viés humorístico faz parte do que define cada um em Os Filhos de Anansi , e isso é necessário para justificar a credulidade dos personagens frente ao fantástico.
A premissa é inspirada numa lenda africana, onde Anansi se torna o portador de todas as histórias do mundo. A pesquisa aparenta ter sido minuciosa por parte do autor, que manteve as principais características mitológicas a respeito do assunto enquanto insere sua própria pincelada na história. Em determinados momentos, pequenos contos sobre os feitos de Anansi são mostrados, beneficiando demais a narrativa do livro.
Há algo de novo na maneira como a trama familiar é desenvolvida. O magro protagonista “Fat Charlie” vai para o temido encontro com seu passado cheio de carga negativa principalmente pelas humilhações que seu pai o causou, e aos poucos ele caminha para a desconstrução disso tudo com direito a uma épica redenção. A relação com seu irmão Spider possui surpresas peculiares: num momento você o adora, em outro o odeia. No mais, personagens funcionais permeiam a história. Alguns com certo carisma.
Por ser de abordagem mais leve, centrada e consequentemente simples, Os Filhos de Anansi se torna recomendável para os fãs do autor e também para novos leitores. Assim como os deuses de Gaiman, nem tudo é perfeito neste livro. O mesmo humor que traz identidade impede que alguns acontecimentos tenham o impacto necessário. Além disso, há os erros do próprio autor ao forçar algumas situações, como num certo pedido de casamento. Não prejudica tanto o produto final, mas impede de tirar um dez.