Depois de ler Querido ex, o livro que precede Maldito ex, achei que não tinha como sofrer mais e agora só passaria raiva vendo o lado do boyzinho branco, privilegiado, metido a bonzinho que destruiu a vida Dele. Não contei que Juan, o autor, seria um sádico sem coração que se esforçaria para nos estraçalhar mais uma vez. Já dizia Kelly Clarkson: Aquilo que não mata, fortalece. Não concordo, mas entendo.
O enredo
O livro inicia com um Tiago – o ex da primeira história – amadurecido, morando em Lisboa, que decidiu nos contar a sua versão dos fatos. Para quem não lembra ou não leu Querido ex, Tiago namorou Ele (é por essa alcunha que o conhecemos) por muito tempo e destruiu sua autoestima, sua confiança, enfim, sua vida. Eles terminaram quando Tiago resolveu entrar para um reality show, abandonando o ex e a vida que tiveram juntos, e o livro Querido ex começa um tempo depois desse fato.
Maldito ex, por outro lado, se inicia muito antes de Tiago sequer conhecer Ele. Logo de entrada, ele avisa que é um narrador não confiável, afinal, é a sua versão dos fatos – mesmo que admita que não só foi aquela pessoa retratada por Ele, como mereceu tudo. Parece simplista, e estamos prontos para odiá-lo. Tiago é o típico garoto branco, gay padrãozinho e, aparentemente, sua vida é perfeita.
Monstro ou vítima?
Uma das melhores coisas do livro é que Juan nos põe sob a perspectiva de alguém que, por um lado, tem privilégios enormes e, por outro, sua vida pessoal é um inferno particular. Como um esquema compensatório, Tiago desconta tudo o que sofre em casa usando sua aparência de homem branco e bonito sendo popular fora dela, usando essa influência para fazer várias coisas que lhe deem destaque, como se tornar representante de classe, líder do grêmio estudantil, formar um coletivo LGBTQIA+ na escola etc. Torna-se popular dentro e fora da escola. Porém, quando chega em casa, tem que encarar os olhos da mãe, Valentina, que, após ser abandonada pelo marido e pai de Tiago se torna apenas uma sombra, repetindo diariamente, como um mantra, que “quando o pai dele estava em casa era tudo melhor”.
Tiago se esforça para fazer a mãe feliz, mantendo a casa limpa, cozinhando para ela, gastando seu parco dinheiro da bolsa e da pensão que recebe do pai para comprar presentes para ela, agradá-la com tudo o que pode oferecer. E nunca, jamais, é o suficiente. Tudo o que ele queria era uma mãe, mas o que tem é uma mulher amargurada que parece desprezá-lo.
“Ela fora agraciada pelos céus com um filho perfeito! PER-FEI-TO. Corpo perfeito. Cabelo perfeito. Postura perfeita. Atitude perfeita. Fala perfeita. Bom aluno. Politizado. Ativista precoce do movimento LGBTQ+. Generoso. Gentil. Organizado. Dedicado.” (p.29)
A relação entre ele e a família é complicada, problemática e dolorosa. Tiago sente inveja da relação que Ele tem com as mães e as amigas, pois ele mesmo só tem um amigo de verdade – Fox, que é praticamente um irmão. Mesmo com todos os seus privilégios, principalmente por Ele ser um garoto negro e fora do padrão, o protagonista sente como se a vida do namorado fosse extremamente feliz e cheia de arco-íris. Que, se você leu Querido ex, sabe que não é verdade.
É até curioso, depois que você lê os dois livros, perceber essa dualidade, a maneira como ambos se enxergam, de um jeito totalmente deturpado. Eles são jovens e idealizam um ao outro. Tiago esconde a sua vida privada do namorado o máximo possível atrás dos seus privilégios, dos quais usa e abusa, a ponto de se utilizar Dele diversas vezes para aliviar o próprio estresse e não ver nada de errado com isso. Aliás, não vê que muito do que ele faz com o namorado é errado, pois este tem que segui-lo, assim como todos os outros cordeiros do rebanho que o desejam. Mas fica com raiva quando Ele não toma alguma atitude que não seja submissa – sem saber que plantou um sentimento de inferioridade no outro, ou entender que são pessoas diferentes e o namorado internaliza as coisas.
Aliás, o ato de ser desejado é algo importantíssimo para Tiago, que usa esse combustível para alimentar o seu ego, constantemente ferido. E é uma armadura que usa até mesmo contra o namorado, pelo qual diz ser completamente apaixonado por.
A vida de Tiago não é tão fácil quanto o ex fez parecer, e é muito dolorosa em alguns pontos. Claro, não apaga os privilégios e o seu uso constante deles, que até mesmo o levam a se tornar uma subcelebridade, o rosto mais bonito do Brasil. Porém, todas as suas motivações para atitudes mais extremas não são simples, não são porque ele é necessariamente uma pessoa ruim. Comete muitos erros causados por ego, pelo sistema compensatório de tentar aliviar o que há de errado na sua vida com outras coisas que, no fim das coisas, não melhoram em nada o que sente. E cada um dá o que tem, e Tiago não tinha nada para dar a Ele a não ser ilusão e dor.
Particularmente, novamente me vi sofrendo por um protagonista e, dessa vez, quando eu peguei o livro, estava preparada para odiá-lo, afinal, ele destruiu a vida do ex. Saber o outro lado da moeda dessa história me pegou desprevenida. Tiago é sim um personagem que você pode detestar em diversos momentos, principalmente quando desconta no ex suas frustrações, suas raivas, sua vida fodida. E, em outros, você só quer abraçá-lo e dizer que vai ficar tudo bem, e eu não queria me sentir assim sobre o ex de ninguém – ainda mais Dele, depois de me conectar tão profundamente com Ele por causa de suas cartas intimistas e cruas, sem mascarar verdades ou dores.
Maldito ex é um livro que vai te pegar de surpresa, te fazer refletir, rir, chorar, passar raiva, tudo junto às vezes. Juan, mais uma vez, me surpreendeu com a sua narrativa delicada, precisamente, milimetricamente feita para destruir nossos corações. Mal posso esperar para o que ele vai aprontar na próxima.