Pulei um muro, olhei ao redor e identifiquei os inimigos, preparei mentalmente a estratégia mais correta a ser utilizada e que rota deveria seguir até conseguir eliminar todos e poder obter os itens e a progressão necessária para a fase. Desci do muro e… um inimigo que não vi, estrategicamente colocado de maneira que o jogador menos cuidadoso (no caso, eu) não percebesse, começa a alertar todos os outros badalando um pequeno sino em sua mão. De repente todos estão em alerta e preciso fugir e tentar novamente uma nova aproximação à fase.
Some isso a quantidade praticamente infinita de tentativas e erros (e muitas mortes), a experiência de Sekiro – Shadows Die Twice, se torna extremamente desafiadora, exigindo reflexos, cuidadosa aproximação aos inimigos e entendimento do jogador sobre o layout e level design de cada área em que ele se encontra. Mesmo tendo o elemento de furtividade como principal maneira de facilitar a progressão, Sekiro não se propõe exatamente a ser um jogo de stealth, diferente de seu antecessor espiritual, Tenchu, ou mesmo jogos de espionagem tática como Metal Gear Solid. Sekiro brilha mesmo é na aproximação do combate e em como acrescenta novos e bons elementos de design a já estabelecida série Soulsborne.
É um Soulsborne?
Os veteranos de Dark Souls e Bloodborne (e adianto logo que este artigo conterá diversas comparações entre os jogos) logo se veem com alguma familiaridade ao DNA da FromSoftware nas primeiras áreas e mecânicas do jogo. O combate, com alvo travado no eixo do inimigo, mundo parcialmente aberto, coerente, que permite que o jogador revisite a mesma área, descobrindo novos atalhos e novas maneiras de explorá-las e reestocar itens, além dos ídolos, o equivalente as fogueiras e lanternas, que permitem que você recupere sua vida, progrida o personagem em habilidades, reviva inimigos e se teletransporte entre estes pontos para melhor conveniência do jogador e sua exploração.
Estes mesmos veteranos logo verão a natureza menos punitiva de Sekiro. O jogo, de fato, lhe desafia e testa seu conhecimento na mecânica do jogo a cada nova área e inimigo. No entanto, seus caminhos mais lineares entre áreas, além do jogo oferecer mais poder ao personagem (já chegaremos neste ponto) e ídolos próximos um ao outro, não trazem a mesma atmosfera opressora e extremamente punitiva de Dark Souls ou Bloodborne. Isso na realidade traz uma grande vantagem ao jogo: por ter uma natureza de combate mais baseada em reflexos e rapidez de estratégia no uso de sua espada e nas ferramentas do braço mecânico, o jogador pode apreciar e se familiarizar mais rapidamente com estas mesmas mecânicas de maneira que ele não poderia fazê-lo caso estivesse cuidadoso demais com o que vai acontecer a seguir. O equilíbrio num combate que te recompensa bem ao apertar o botão de defesa na hora correta e te pune severamente pelo erro é peça chave para o brilho de Sekiro.
Subindo no teto
Exploração é um elemento chave e Sekiro adiciona um novo eixo de exploração. A verticalidade adicionada ao cenário somada a satisfação de usar o gancho para balançar por aí tal qual um Homem-Aranha (só que ninja) faz com que o jogador se sinta tentado a passar por mais locais no cenário e descobrir novas possilbidades dentro do seu gameplay. O braço mecânico que o personagem utiliza é o elemento que traz mais variedade dentro do jogo, especialmente dentro do combate. A medida que o jogo progride, você descobre novas ferramentas que podem ser acopladas ao braço, desde shurikens, passando por lança-chamas, lanças, entre outros. A mobilidade que o gancho traz para o jogador, possibilita inúmeras possibilidades de eliminação dos inimigos e furtividade bem utilizada dentro do que o jogo propõe fazer. Ainda para efeito de comparação, o jogado ao chegar em Anor Londo em Dark Souls ou Yarham em Bloodborne, possuía uma enorme sensação de estar oprimido por todo aquele cenário, uma sensação de estar o tempo inteiro na ponta da cadeira, aguardando a próxima monstruosidade a lhe atacar. Em Sekiro, explorar cenários igualmente grandes não traz a mesma sensação, mas sim uma sensação de leveza. O cenário ainda está cheio de monstruosidades para lhe matar, sim, mas essa mesma leveza e liberdade lhe permitem ir e voltar no cenário e tentar de maneiras diferentes como combater os inimigos a frente.
A segunda vez é sempre melhor
Como o título do jogo nos sugere, Sekiro nos traz uma liberdade também após a morte do personagem. Você é um shinobi imortal que pode ter duas chances para ressuscitar (mais a frente no jogo uma terceira) após morrer para algum inimigo (isso não se aplica a morte por gravidade). No entanto isso deve ser feito de maneira cuidadosa e com considerações, se você morrer de vez, voltando para o último ídolo que esteve, você perde metade da experiência e dinheiro que tem. Isso é irreversível, não existem poças ou ecos de sangue no local onde você morreu para recuperar o que tinha, morreu, perdeu, já era. O truque é este: ao morrer você pode, no apertar de um botão, reviver na mesma hora com metade da sua vida, essa ressurreição é restaurada cada vez que você descansa em um ídolo, a segunda ressurreição é uma barra que enche a medida que você vai eliminando inimigos, porém você não pode usar ressurreições seguidamente sem antes aplicar um golpe mortal em um inimigo ou chefe.
Ao morrer em definitivo e voltar para o último ídolo, você começa a ativar uma mecânica especial do jogo chamada Dragonrot, que faz com que NPCs importantes passem a ficar doentes, alguns inclusive param de vender seus itens ou dar informações importantes para o prosseguimento da história ou progressão do seu personagem. Junto a isto existe também a mecânica chamada Unseen Aid, que lhe dá chances de não perder nada em mortes defintivas, porém essa chance diminui cada vez que mais personagens do jogo são acometidos pela doença. Isso tudo parece meio confuso, mas assim como você deve se acostumar a morrer seguidamente, logo se acostumará com tais mecânicas.
Dragonrot e a perda de experiência e dinheiro servem para lembrar que morrer no jogo traz consequência e faz o que a FromSoftware sabe fazer de melhor em seus jogos: trazer a morte como parte da história e um de seus principais elementos narrativos (mas isso fica para outro artigo), porém a natureza mais branda do jogo também te dá maneiras de salvar um pouco do dinheiro e não perder experiência após chegar em determinados estágios, é normal que, ao se encontrar em situações muito complicadas de se sair, o jogador veja que morrer ali para ressuscitar logo depois seja vantajoso para finalizar um inimigo que tem pouca vida, assim como talvez seja melhor morrer definitivamente, não gastando uma de suas ressurreições disponíveis, para reestocar de itens de cura e tentar novamente, revendo sua estratégia.
Um adendo sobre a natureza mais branda e mais relaxada do jogo em comparação a Soulsborne: você tem um botão de pausa! Diferentemente dos seus antecessores de empresa, Sekiro é uma experiência completamente single-player. Você quer utilizar um item que aumente seu poder de ataque ou defesa? Sem problema, aperte pause, vá ao inventório, selecione e use o item, simples assim, não há porque circular desesperadamente pelo inventário rápido enquanto um chefe te persegue pela arena.
Dito isso: sinto falta das invasões e PVPs.
Combate, Habilidade e Reflexo
Não há dúvidas: o combate é onde Sekiro brilha e se torna único em relação a Soulsborne. A furtividade e exploração são completamente secundários frente às batalhas de um contra um contra chefes e mini-chefes que o jogo espalha. Todas as suas habilidades, sejam as ativas ou passivas, são direcionadas para que você tenha mais vantagens neste tipo de combate. Elementos de defesa são cruciais para que o combate seja bem sucedido em favor do jogador, explicando: o combate centra-se em drenar a postura do inimigo, possibilitando que o jogador dê um golpe mortal que o elimine. A barra de vida ainda existe e alguns inimigos só são derrotados ao drená-la, mas paralelamente a ela existe a barra de postura. Essa barra é preenchida ao acertar um golpe no inimigo, ao acertar um golpe na defesa do inimigo e, principalmente, ao defender os golpes do inimigo no momento certo (o famoso parry, desvio, como queira chamar).
Existem também golpes indefensáveis de início, mas eles são completamente telegrafados e o jogo ainda te coloca um enorme sinal vermelho sobre sua cabeça, esses golpes geralmente são agarrões, varridas de espada ou lança e estocadas. Tudo pode ser desviado no momento certo ou mesmo contra-atacado se utilizar a habilidade e estratégia adquiridas ao progredir e se acostumar com o jogo. Acostumando-se com tudo isso as batalhas se tornam emocionantes, especialmente se você aliar seus reflexos ao uso das ferramentas que o braço mecânico te traz. Ao passo que Sekiro não te dá a liberdade de criação de personagem, builds e armas, te dá inúmeras ferramentas para você adaptar seu estilo de combate ao que o jogo lhe desafia a fazer. Logicamente, tudo exige certa curva de aprendizagem que pode ser um tanto íngreme, nem todos os inimigos possuem o mesmo timing ao golpear, o que exige que o jogador também observe seus golpes de maneira cuidadosa. Vale também ressaltar que nem só de samurais e ninjas vive Sekiro, monstros gigantes também assolam as localizações do jogo e nem sempre utilizar-se do artifício de defender na hora correta funciona, para isso a velha estratégia do bater e correr se mostra bastante útil.
Ainda no quesito combate, mas focando um pouco na progressão, vale ressaltar que Sekiro, diferente de seus antecessores, não é um RPG, ou seja, não existe progressão por atributos, não há como colocar pontos de vitalidade ou ataque. A experiência do jogo é utilizada parar comprar habilidades, ativas e passivas nos ídolos, seus pontos de vida e barra de postura são aumentados ao colecionar determinados itens e seu poder de ataque é aumentado após passar por determinados chefes que também lhe agraciam com certos itens. Neste sentido, a progressão de Sekiro é muito mais semelhante a Zelda do que aos seus antecessores de FromSoftware.
A Era Sengoku
A atmosfera e construção de mundo que a FromSoftware faz em Sekiro é diferente de seus jogos antecessores: a história é menos críptica, mais linear e expositiva. Os elementos narrativos são todos bem colocados, há bastante interação entre seu personagem (que não é mudo) e os outros NPCs, que dessa vez lhe falam de maneira coerente e lhe dão dicas e insights sobre a história e o que você deve fazer. Além disso todas as referências ao Japão da Era Sengoku, sua arquitetura e história, são muito bem representados aqui. Claro que, sendo um jogo da FromSoftware, mesmo com os aspectos históricos sendo respeitados existe uma curva bem acentuada rumo ao místico e sobrenatural, tudo também lotado de referências ao folclore japonês da época, respeitando também as convenções que o jogo traz para sua história.
Mesmo tendo uma história mais objetiva que Dark Souls e Bloodborne, Sekiro ainda possui em sua construção de mundo muito mistério e quebra-cabeças que cabem ao jogador interpretar a sua maneira. Isso talvez seja parte dessa fórmula tão correta que os jogos da FromSoftware encontraram. Cada nota e diálogo encontrados e escutados trazem novas perspectivas e caminhos que o jogador pode encontrar para prosseguir.
O que eu acho?
Sekiro – Shadows Die Twice mostra que a FromSoftware permanece em constante evolução no seu game design, aperfeiçoando e trazendo novos elementos que desafiam e intrigam seus jogadores, dos iniciantes aos mais experientes. Suas mecânicas de stealth, suas aproximações aos combates e seu mundo rico em história e fantasia, ao passo que talvez não possuam o apelo de seus antecessores, é definitivamente um marco dentro da história da empresa.