Poucos filmes têm tanta atualidade como Klondike: A Guerra na Ucrânia, de Maryna Er Gorbach, ganhadora do Prêmio de Direção para filmes estrangeiros. O longa, que também levou o Prêmio do Júri Ecumênico, no Festival de Berlim deste ano, tem como cenário a fronteira entre Ucrânia e Rússia, e aborda os conflitos na região a partir do ponto de vista dos ucranianos. Com distribuição da Pandora Filmes, chega aos cinemas brasileiros em 28 de abril.
Embora a trama seja situada em 2014, seus eventos reverberam até hoje com a guerra na Ucrânia em andamento. No filme, Irka (Oksana Cherkashyna) e Tolik (Sergey Shadrin) vivem em Donetsk, nas proximidades da fronteira entre o país e a Rússia, um território em disputa no começo da Guerra em Donbas. O casal aguarda o nascimento do primeiro filho, quando é abatido por mísseis o avião de um voo civil, que cai na região, matando quase 300 pessoas, o que só fez aumentar a tensão e deixando um rastro de tristeza e luto.
Tolik é pressionado por seus amigos separatistas pró-Rússia a se juntar a eles, enquanto o irmão de Irka suspeita que o casal esteja traindo o próprio país. Enquanto a angústia é crescente, a jovem se nega a deixar sua casa, mesmo quando o vilarejo onde vivem é capturado pelas forças armadas. Tentando reaproximar seu marido e seu irmão, a protagonista pede que eles unam forças para reconstruir sua casa, que foi destruída num bombardeio.
Nascida na Ucrânia e radicada em Istambul, Er Gorbach disse, em entrevista ao jornal alemão Zeit, que se lembra muito bem do fatídico 17 de julho de 2014, dia do ataque ao avião, pois é seu aniversário. “Eu fiquei o tempo todo procurando anúncios oficiais sobre a queda da nave, e ninguém foi responsabilizado pelo lançamento dos mísseis. Passaram-se anos, e, praticamente, nada aconteceu. Foi quando percebi: se algo dessa magnitude não é punido, quem se interessará pelo sofrimento do povo de Donbas?”
Ela conta que, em 2014, ninguém esperava uma guerra, e hoje, as pessoas recebem avisos para não sair de casa, e ficar com as janelas fechadas. “A guerra hoje é chamada por seu nome. A imprensa internacional não duvida mais disso. Em meados de fevereiro, era diferente. Falava-se num ‘conflito’ entre a Rússia e a Ucrânia”.
A diretora, que também assina o roteiro e a montagem, destaca o papel fundamental das mulheres na resistência ao conflito, e, por isso, o longa é dedicado a elas. “O instinto de sobrevivência de Irka é maior na guerra. E essa mensagem me fez dedicar o filme a elas. Num sentido mais amplo, também quer dizer: Não há soldado ou matador sem mãe. Há sempre uma mulher por trás deles. Não creio que nenhum homem lutaria por seus valores, por si mesmo. Os homens que lutam na Ucrânia buscam suas forças no fato de terem mães, esposas, filhas.”
Além dos prêmios em Sundance e Berlim, Klondike: A Guerra na Ucrânia também foi muito bem recebido pela crítica. A Variety destaca a direção firme de Er Gorbach que não faz concessões. “Conflitos, pessoas e políticos são retratados por uma câmera serena, num filme que traz uma visão da guerra em andamento”. Alissa Wilkinson escreve na revista Vox que o longa “é um lembrete de que mesmo nos tempos mais precários, a coisas da vida precisam seguir em frente – e que o peso de uma guerra na vida das pessoas comuns é incomensurável”.