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Viúva Negra

O filme solo da Viúva Negra sempre me soou como um daqueles projetos que se anunciam, mas nunca saem do papel. Isso porque a personagem vivida por Scarlett Johansson nos filmes do Marvel Studios nunca recebeu a devida profundidade de modo que despertasse nosso interesse para um projeto do tipo. Claro que Kevin Feige e sua turma plantaram sementes, como em Vingadores: Era de Ultron (2015), mostrando flashes do seu passado, mas, ao mesmo tempo, decisões pra lá de equivocadas foram sendo tomadas, como o romance forçado com Bruce Banner e a autopenitência por terem a tornado estéril. Tudo isso perdoando a desmedida sexualização da personagem desde sua estreia em Homem de Ferro 2 (2010) até o famigerado pôster de Os Vingadores (2012), no qual ela, na condição de única mulher membro da equipe de heróis, também foi a única a ser exibida de costas.

Com o tempo, Natasha foi mostrando toda sua qualidade e se solidificando no imaginário dos fãs, até o seu sacrifício em Vingadores: Ultimato (2019). Desse modo, a principal pergunta com o anúncio do seu filme é: qual a razão e a motivação desse projeto?

A trama acompanha a Vingadora logo após os eventos de Capitão América: Guerra Civil (2016), quando Romanoff se encontra na condição de foragida por ter contribuído com a rebeldia de Steve Rogers. Atuando no anonimato, ela acaba reencontrando Yelena, sua irmã, com a qual não possuía nenhum contato após ter supostamente acabado com as operações do Salão Vermelho, o centro de treinamento e operações para as garotas sequestradas e usadas para se tornarem uma Viúva Negra – espécie de espiã assassina sob o comando de um líder sem escrúpulos.

Levando a temática das jovens que sofrem lavagem cerebral ao limite, podemos falar de questões pertinentes que o longa traz como o sequestro internacional, onde, desde cedo, garotas são submetidas a inúmeros tipos de abuso que resultam, principalmente, de uma condição de pobreza social. Explorar temas importantes não é novidade dentro de produções da Marvel, como a geopolítica de Wakanda em Pantera Negra, representando um país africano com todas suas virtudes e seus defeitos, mas, acima de tudo, autônomo.

Porém, a pauta das garotas acaba funcionando melhor como instrumento narrativo e não como subtexto que agregue à experiência cultural que é assistir a um filme. Isso não é exatamente algo ruim, mas é um claro caso de potencial desperdiçado.

 

O legado da Viúva Negra

Isso porque a alma de Viúva Negra acaba sendo a relação entre Natasha e Yelena (Florence Pugh), que possuem um vínculo de irmãs. Dentro da dinâmica das duas é que surge pautas como família, traumas, arrependimentos e o já citado tráfico internacional de garotas. Isso sem contar a principal questão, a motivação de todo esse projeto (que acaba respondendo nossa pergunta inicial): continuar o legado da heroína e plantar novas sementes dentro do MCU.

E quando falamos de MCU,  vale também para as séries do Disney+, que tiveram início em WandaVision e continuaram com Falcão e o Soldado Invernal (que, como já era esperado, possui uma ligação interessante com este filme). Desse modo, a presença de Yelena serve também como uma homenagem à protagonista, que obviamente não teria um funeral tal qual Tony Stark, o Homem de Ferro, teve (mesmo que se sacrificar para conseguir a Joia da Alma tenha sido igualmente admirável).

O roteiro até consegue amarrar bem as diversas demandas que uma produção do Marvel Studios exige, uma vez que é sempre complicado desenvolver uma história que precisa se preocupar com outra dezena de produções para ser finalizada. Mas o trabalho de Jac Schaeffer (uma das roteiristas) em WandaVision, por exemplo, aparenta estar melhor acabado. É provável que isso seja resultado da complexidade do projeto, no entanto.

O problema mesmo começa a aparecer quando temos explicações demais para pouca substância. A agradável presença de Rachel Weisz como Melina acaba prejudicada pela falta de base emocional para a personagem, que termina sendo também a solução criativa para diversos problemas que se apresentam. Incomoda também o uso do clássico recurso do vilão contando absolutamente todo o seu plano a troco de nada, dando assim armas para os heróis agirem e impedi-lo. Por fim, temos os frascos que eliminam a química garantidora da alienação das garotas raptadas, algo que não ficou tão claro no texto sobre como surgiu. Isso remete a James Bond de um modo nada bacana.

Em outras palavras: seu nível de suspensão voluntária de descrença será testado.

Cate Shortland (A Síndrome de Berlim) não deixa algo que possamos destacar muito na direção, se compararmos com o padrão do MCU. As cenas de ação estão bem produzidas e finalizadas, mas o recurso da câmera tremida se sobressai muitas vezes, e as lutas à la Capitão América: O Soldado Invernal que eu tanto aguardei acabam não vindo. Ao menos o filme possui um ritmo bom, embalado por uma competente trilha sonora e vistosas locações.

Capitão América da URSS

Unindo os aspectos direção e roteiro temos o Guardião Vermelho vivido por David Harbour. Seu personagem está surpreendentemente bem inserido na trama, e alguns de seus momentos de alívio cômico funcionam, mas faltou apresentá-lo devidamente ao MCU como um potencial porradeiro digno de enfrentar os cabeças como Capitão América, pra ficar num exemplo usado pelo próprio filme. Não há nenhuma cena verdadeiramente impactante sua, e oportunidades não faltaram, pois ele enfrentou até o misterioso Treinador, esse sim um vilão que guarda interessantes desmembramentos na trama.

Florence Pugh não é Scarlett Johansson, mas pode chegar lá

Voltando ao legado da Viúva Negra, podemos nos contentar que Yelena será uma boa substituta de Natasha. Florence Pugh (Midsommar) consegue dar carisma à personagem, que se sai bem nas lutas e nos diálogos de humor, apesar de ainda faltar algumas coisas ali para ela ficar devidamente pronta pro MCU. Mesmo sendo uma espiã assassina já desenvolvida,  ainda não está preparada para os holofotes de um supergrupo como os Vingadores. Uma confirmação disso são as piadas sobre a clássica pose de luta de Natasha, agachada e olhando para o alto. É a Marvel tirando sarro de si mais uma vez (e isso é bom). Já a estrela do show, Natasha, acaba soando muito como uma boa coadjuvante da própria história. A sensação é de que Kevin Feige e sua turma deu sinal verde para o filme se confiar plenamente no potencial da protagonista, sendo que todos já sabemos o quão maravilhosa Scarlett Johansson é. Em todos os aspectos.

Mesmo exigindo um certo conhecimento prévio de MCU para ser devidamente absorvido, Viúva Negra consegue entregar um entretenimento aceitável para um projeto que já chegou a não fazer muito sentido anteriormente. O legado de Natasha está aí, e como tristeza fica apenas a falta que Scarlett Johansson vai fazer.