Tromba Trem – O Filme

O que acontece se a gente juntar um elefante indiano perdido no cerrado brasileiro, uma tamanduá vegetariana e uma monarquia de cupins viajando num trem rumo a um dirigível misterioso que passeia pelo céu da América Latina? Isso mesmo, Tromba Trem! Uma aventura que começou lá atrás, com o AnimaTV, concurso realizado pela Secretaria do Audiovisual do extinto Ministério da Cultura (saudades), em associação com os canais TV Cultura e TV Brasil, focado na produção de séries de animação brasileiras. Com término em 2010, o programa selecionou 17 curtas-metragens para serem transmitidos pelos referidos canais e, dentre essas obras, estava o piloto da série Tromba Trem.

O seriado teve três temporadas e, em seus diversos episódios, o elefante Gajah passeia com seus amigos bichos a bordo do Tromba Trem em aventuras que tem uma pegada educativa, desenvolvida de forma dinâmica e natural, além de carregar um humor que consegue conquistar não apenas as crianças, mas também os adultos que as acompanham. É possível assistir ao primeiro capítulo de Tromba Trem no youtube e notar que, apesar das alterações estéticas, o desenho – tanto a animação como o roteiro – já era muito bem feito e continua assim até hoje. Vale lembrar que essa história, que começou lá atrás, foi realizada a partir de políticas públicas voltadas para a animação nacional e que, apesar de todas as dificuldades, ganhou agora espaço nas salas de cinema comerciais, o que representa uma grande conquista para o setor. 

Gajah e Duda na primeira Temporada de Tromba Trem

 

Como eles são hoje

Começo falando do seriado porque é assim que o longa-metragem se inicia: com mais uma perseguição que o Tromba Trem faz em direção ao tal dirigível, que pode desvendar o mistério sobre o passado de Gajah, ou então levar a Rainha Cupim e sua família para outro planeta, que acreditam ser sua verdadeira origem. A amiga Eduarda Tamanduá Bandeira e Silva, ou simplesmente Duda (minha personagem favorita), também viaja com eles e frequentemente está lá para ajudar o protagonista em suas trapalhadas, ao mesmo tempo em que é responsável pelos momentos mais engraçados e fofos da trama. 

Para quem não acompanha o desenho, o filme usa algumas estratégias para explicar o universo meio maluco já estabelecido pelo seriado, como alguns flashbacks que surgem na mente de Gajah. No decorrer da história do longa, a trama cresce a ponto de se sustentar sozinha, enquanto essas lembranças que aparecem para o elefante se mostram cada vez mais atreladas ao enredo do filme. Esta história se “desvencilha” dos arcos mais comuns aos episódios da série por um motivo um pouco aleatório, mas que não destoa deste tipo de narrativa. De repente, Gajah viraliza na internet porque gravaram ele fazendo uma dancinha, então é aí que sua carreira de subcelebridade começa, o que rende muitas referências a memes, à cultura pop brasileira e a piadas bem engraçadas. Essa história também nos apresenta a personagens como Mirella Miramontes, uma famosa profissional, e o gorila guarda-costa Silas, dublado por Caito Mainier, do Choque de Cultura.

A súbita fama sobe à cabeça do protagonista e, por isso, ele se distancia de Duda e dos Cupins com os quais convive, até notar que não pode ser feliz sem eles. Se durante todo o percurso do Tromba Trem o elefante sem memória estava mais preocupado em perseguir as respostas sobre seu passado, quando se percebe só e longe do comboio no filme, constata, usando a própria metáfora dos trilhos, que o mais importante é curtir o caminho junto com a família que fez naquela terra, que já não é mais tão estranha.

Paralelamente, há também a subtrama sobre os desaparecimentos de certos bichos, consequência de uma invasão extraterrestre. Quando o primeiro ataque alienígena ocorre, minha impressão era de que isso formava uma espécie de constelação diferente, que não se encaixava bem no enredo principal. Ao longo de seu desenvolvimento, contudo, achei que se inseriu bem, principalmente quando ganha importância lá na virada para o terceiro ato, fazendo a trama tomar um rumo completamente diferente, mas interessante e ligada à história pregressa de Gajah. Inclusive, é por meio dos flashbacks que citei que nos são revelados mistérios que existem desde o início da série. Assim, podemos perceber que, na verdade, a trama do longa mantém um diálogo com o seriado, ora de modo mais nítido, ora menos. 

De um modo geral, a história é envolvente e os personagens são carismáticos. As músicas também são legais, só que, tirando a última (que Duda puxa no seu violão – sim, sou fã dela), não são tão marcantes assim. Mas lembro que as crianças na sala em que assisti pareciam se divertir bastante em todos os momentos e, óbvio, conversavam com os personagens, dizendo para fazerem isso ou aquilo. E eu, que sou adulta, me surpreendi com a emoção que a trama é capaz de trazer à tona no seu momento mais dramático – quando o Tromba Trem interrompe sua rota na tentativa de atravessar trilhos amaldiçoados –, como também lá no alto, quando os bichos finalmente alcançam o dirigível que seguiram por tanto tempo, que possui o segredo sobre a queda e perda de memória de Gajah.

Entendemos também o porquê do planeta em que vivem ser cheio de bichos, sem mais nenhum rastro de humanos, quando um funcionário do próprio Copa Estúdio (que produz o Trompa Trem) aparece, em um dos momentos mais engraçados do filme, e nos explica que tudo está ligado à eleição de um tal líder que falava que a Terra era plana. Uma metalinguagem que recorda os Cine Gibis, que eu gostava demais (principalmente quando Gajah por vezes aparece se assistindo em uma sala de cinema). Além disso, foi uma oportunidade para ironizar os tempos sombrios que vivenciamos atualmente, por conta do contexto político no Brasil. 

Tromba Trem – O Filme é diversão garantida para os pequenos e para toda a família. Fica minha recomendação e também o convite para incentivar e assistir a uma animação brasileira no cinema.