Josh Cooley estreia de forma empolgante na direção com Toy Story 4, um projeto que consegue se provar legítimo mesmo após uma excelente trilogia
Nós, os habitantes da cultura pop, geek e nerd, nos sentimos no direito de ter franquias como se fossem nossas. A cada lançamento, lá estamos para falar se tal obra é boa ou ruim, se acerta ou erra, se merece ou não existir. Como se nossa atribuição fosse determinar os rumos da indústria.
Indiretamente até que pode ser, mas como argumentar contra a Pixar quando ela revive sua mais clássica franquia – após esplêndido desfecho de trilogia – e consegue entregar o mesmo nível de sensibilidade do último filme? Você (assim como eu) pode até achar desnecessário a princípio, mas Toy Story 4 é uma aula de habilidade criativa.
A trama do filme segue Woody e sua turma devidamente adaptados ao seu novo lar, onde se dedicam a serem os brinquedos da fofíssima Bonnie. Porém, o cowboy está constantemente sendo deixado de lado nas brincadeiras, ao passo que ele mesmo está sofrendo um processo de inadequação ao atual ambiente. Com o legítimo sentimento de ajudar sua dona, Woody interfere no desenrolar natural das coisas e isso acaba gerando Garfinho, um inusitado brinquedo feito de lixo.
Antes disso tudo, no entanto, é mostrado um flashback explicando o motivo do desaparecimento de Betty no segundo filme. Esse que foi o gancho narrativo da Pixar para viabilizar a existência de Toy Story 4 e, para ser sincero, foi um movimento bastante arriscado. Dar um passo na mesmice e entregar um filme esquecível não seria nenhuma surpresa, tamanho o consenso entre fãs e críticos de que a trilogia havia fechado a franquia – de forma magistral, diga-se de passagem.
Vale ressaltar que esse deve ser o mais engraçado de todos os filmes da série. O timing das piadas está excelente, viabilizando plenamente o projeto para a criançada. Nesse sentido, quem brilha é o inédito Garfinho (Forky na versão original), que se considera lixo, e não um brinquedo. Essa inversão de valores é trabalhada de modo sagaz pelo roteiro, que não se preocupa em dar uma base do nível visto em Divertida Mente (2015), mas consegue entregar analogias consistentes entre a vida humana e a dos personagens fantasiosos.
Até aqui, nada de novo: sabemos da sensibilidade e zelo da Pixar em entregar algo cristalino. Mas o capricho aqui é tão grande que Toy Story 4 se equipara ao terceiro filme no campo da emoção, abordando despedidas e recomeços.
Para dar vazão aos dramas de Woody, Betty entra na história na condição de brinquedo abandonado. Apesar da denominação previamente negativa, isso é colocado de maneira mais complexa nesse filme. Esse é o principal motivo que faz essa animação surpreendentemente incrível, tocante e inédita ao seu modo: não há vilões propriamente ditos como o ursinho Lotso do terceiro, que também foi abandonado. Betty materializa isso muito bem e de quebra oferece uma personagem feminina poderosa como manda a bem-vinda cartilha atual, sem soar forçado e respeitando a proposta da história.
Ao adotar essa linha metalinguística, a Pixar se dá mais liberdade para explorar seus personagens. O foco agora não são apenas as analogias bem elaboradas entre a vida dos brinquedos com a nossa, mas também a história dos próprios personagens como é o caso de Woody. Isso só é possível porque existiram 3 filmes (além de curtas-metragens) que contribuíram para enraizar uma figura tão leal e companheira. Um parceiro que vai lutar por você até o fim e que porventura irá forçar a barra por conta disso, criando problemas.
Mas ele não pode fugir de quem é, e do ponto de vista da dramaticidade, isso é o que o torna fascinante. Não vou me surpreender se rolar um Toy Story 5.
Para um primeiro trabalho como diretor, Josh Cooley estreia de forma empolgante, mas é evidente que ele foi beneficiado pela base criativa da produtora, onde já possui certa experiência em áreas técnicas e também como dublador. Há um certo cansaço narrativo no final do segundo ato, onde é dedicado muito tempo para solução de missões intermediárias, tirando um pouco do excelente ritmo que o filme mantém na maior parte do tempo.
A ambientação continua a mesma dos anteriores, assim como a trilha sonora delicada embalada pela clássica Amigo Estou Aqui (You’ve Got a Friend in Me, de Randy Newman) e suas variações. Graficamente, não há nada fora do comum além de uma natural evolução visual, onde os cenários realistas são usados com bastante frequência. São questões secundárias se comparadas à profundidade da história.
Acho totalmente justo questionarmos os rumos da indústria, inclusive quando cenários de monopólio se desenham como no caso da Disney, que anda adquirindo empresas gigantescas e franquia de potencial bilionário. Mas dar liberdade a quem sabe do riscado é a chave para um grande produto. Mesmo que, a princípio, você e eu não saibamos o motivo da sua existência.