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tick, tick…BOOM!

Tenho um problema em me conectar com musicais. E não me refiro aos momentos de cantoria ou às apresentações que surgem do nada, mas na forma como a trama é desenvolvida. Sei que é algo particular, mas era necessário começar o texto com essa informação. Por isso, tick tick…BOOM!, novo lançamento da Netflix, já parecia extremamente desafiador. No entanto, ao enxergar a mensagem por trás de tudo, sinto que finalmente pude aproveitar um musical da forma que seu idealizador sonhou. Ou pelo menos cheguei bem próximo disso.

Em sua estreia como diretor, o renomado Lin-Manuel Miranda entrega uma carta de amor aos artistas e sonhadores de todo mundo. Ainda que seja endereçada especialmente aos que respiram os bastidores da Broadway. O fato é que a maior criação de Miranda, o sucesso de crítica e público Hamilton, existe justamente por conta do homem que ele homenageia em tick tick…BOOM! Aliás, o diretor sabe como utilizar sua experiência com musicais para retratar com emoção e precisão os sacrifícios por trás dessa forma de fazer arte, despertando uma comoção genuína no espectador.

Na trama, que adapta o musical de mesmo nome, conhecemos Jonathan Larson (Andrew Garfield), anos antes de se transformar em um fenômeno da Broadway. Enquanto limpa mesas de uma lanchonete, ele luta contra o tempo para fazer algo marcante antes de seu 30º aniversário. Ele deposita suas fichas em Superbia, um projeto de musical que escreve desde a juventude. Porém, ele precisa lidar com seu relacionamento amoroso, os dramas pessoais de seus amigos e ainda escrever uma canção essencial para o seu espetáculo. É esse turbilhão de eventos que dita o ritmo frenético da obra e o senso de urgência de seu protagonista. Tudo está acontecendo simultaneamente e nem toda a genialidade de Larson é suficiente para equilibrar as coisas.

Existe um toque de metalinguagem aqui, já que tick tick…BOOM! foi o musical que Larson criou para falar de sua tentativa e fracasso com Superbia, na medida em que amadurecia a ideia que seria sua obra-prima: Rent. Curiosamente, o próprio Lin-Manuel Miranda viveu Larson em uma das adaptações desse musical. O lado trágico da história é que Jonathan faleceu horas antes da primeira apresentação do projeto que seria um divisor de águas na Broadway. Logo, essa não é uma celebração do seu auge, mas o reconhecimento de seu esforço e brilhantismo.

O roteiro de Steven Levenson entrega um eficiente estudo do protagonista. Em nome do sacrifício pela arte, Larson negligencia sua namorada, seu amigo de infância e até o seu próprio bem-estar. Esses elementos poderiam o transformar em um babaca egocêntrico, mas são trabalhados de maneira que o apreço do espectador por Jonathan não seja abalado. A carga dramática de tick tick…BOOM! depende dessa relação. Aliás, são justamente seus relacionamentos e o meio em que vive que funcionam como base para a mudança de sua percepção sobre os musicais. “Escreva sobre o que você conhece” é o conselho que ele recebe de sua agente.

Andrew Garfield é um nome forte na corrida para o próximo Oscar. Apresentando um enorme talento musical, sua interpretação entrega as doses perfeitas de inocência, ambição, confiança e frustração. Mesmo que o espectador não possua um conhecimento prévio, é perfeitamente possível de compreender os sonhos do personagem. Ainda que o foco esteja em Garfield, outros atores merecem destaque. Em especial Alexandra Shipp e Robin de Jesús. Quem também brilha nos números musicais é Vanessa Hudgens, com um solo bastante emocionante.

Quem espera coreografias elaboradas e grandes cenários pode acabar se decepcionando. No entanto, essa aparente simplicidade não afeta o espetáculo entregue por tick tick…BOOM! Nada que aparece em tela é gratuito, demonstrando um domínio nato por parte da direção, do roteiro e da montagem. E por mais que pareça restritiva no primeiro olhar, a mensagem do filme é universal: encontre o que te faz feliz e dê o seu máximo para alcançar seus sonhos.