Todo mundo conhece Steven Spielberg. Mesmo se, por um acaso, você não tenha assistido algum de seus filmes, com certeza já ouviu o nome. O cara é, de acordo com a WikiPédia e com o conhecimento comum, somente um premiado cineasta, produtor cinematográfico, roteirista e empresário estadunidense, e o diretor com mais filmes na lista dos 100 Melhores Filmes Americanos de Todos os Tempos, feita pelo American Film Institute. Se você vive em uma caverna e não conhece nem o nome, com certeza sabe de seus filmes, como o amado Jurassic Park, ou o polêmico Tubarão, ou um dos filmes mais referenciados da ficção científica, E.T. O Extraterrestre. E, se está lendo isso, é porque se interessou e agora tem a oportunidade de assistir a um filme maravilhoso e autobiográfico do diretor por meio de lentes da ficção, que são utilizadas com muita delicadeza para nos contar não somente sobre a sua família e história, mas sobre o seu amor pelo cinema. E, acredite, você vai amar também.
A história começa com o pequeno Sammy (Mateo Zoryan), o nosso protagonista e, obviamente, o representante de Spilberg, se apaixonando pela cena do primeiro filme que assistiu no cinema com seus pais, Burt (Pau Dano) e Mitzi (Michelle Williams), O Maior Espetáculo da Terra, em 1952. O pequeno fica obcecado e, com o incentivo da mãe, consegue recriar cinematograficamente a cena, que funciona como uma espécie de catarse – inclusive, o momento que mostra ele assistindo à sua primeira criação é muito simbólica. A partir dali, a narrativa vai construindo a paixão crescente do menino por fazer filmes enquanto também nos apresenta ao outro cerne dessa história: a família. Spilberg consegue permear os dois temas, cinema e família, de forma fenomenal, orgânica, bem costurados, no qual o amadurecimento de Sammy, principalmente na produção de seus filmes, depende do que ele aprende com os seus pares.
Com muita delicadeza e sensibilidade, somos apresentados aos Fabelmans, uma família apaixonada, unida, com pais amorosos e presentes, avós sempre por perto e o querido tio Benni (Seth Rogen), melhor amigo de Burt e, basicamente, parte daquele lar. E as crianças, é claro. Dá até vontade de ser parte deles, sinceramente, pois ficamos encantados com a família. Aos poucos, com muita sutileza, a narrativa vai apontando as rachaduras e as falhas que já existiam e as que vão surgindo, mas sem largar a parte do encantamento. As cores são vivas, os ângulos e a direção se mostram simpáticos. As cenas vão fluindo com habilidade. Mas não espere um crescendo, aquele dramalhão que vai culminar em um grande clímax, ou em alguma reviravolta, ou o que for. Não. Os Fabelmans é um filme para se apaixonar.
Para Sammy (Gabriel LaBelle), a dualidade representada pelos pais é essencial. Enquanto seu pai é pragmático, um homem da ciência, que o ajuda a entender o funcionamento da parte mecânica do cinema, sua mãe é uma sonhadora, um espírito livre, uma artista pura, que o incentiva a continuar a sua paixão por fazer filmes, mesmo quando Burt insiste que é só um hobby e que o jovem deveria procurar “um emprego sério”. Quem trabalha com arte já ouviu uma dessas. Apesar da falta de incentivo do pai, Burt não deixa de apoiar o filho. A vida “real” (afinal, o que é real?) é bem representada aqui por esse espelho cinematográfico. Nem toda briga tem uma resolução, nem toda felicidade tem um motivo, o caos está sempre presente, e dentro dele há muito amor, apoio, tristezas, sorrisos, raiva e descobertas – tanto do protagonista quanto de sua família. É uma espécie de gente como a gente, mas sem realmente ser, já que, como ficção, há uma extrapolação da verdade, em que o diretor se sente muito há vontade para usar de metalinguagem, simbolismos e metáforas para contar a sua história, mas sem mascarar defeitos e imperfeições. Os Fabelmans parecem a família ideal, e, ao longo da narrativa, vemos que mesmo o que parece ideal, pode se quebrar e que isso não é o fim do mundo.
A trama é carregada de momentos de intensa carga emocional, seja pelo positivo, seja pelo negativo, e de momentos arrebatadores, que nos carregam para campos mais leves com suavidade, como uma cena específica no acampamento. Vemos Sammy, ou melhor, Sam se descobrindo enquanto artista, enquanto sofre bullying na escola – onde é um dos poucos judeus e estamos em um cenário pós-Segunda Guerra -, guarda o segredo de sua mãe, tenta curtir a adolescência e absorver todas as experiências. A cena do baile do colégio é bem poderosa, principalmente na conversa que ele tem com Logan, o astro do colégio e alguém que batia nele com frequência. Ali há uma demonstração clara e declarada do poder da arte.
Fato curioso: várias coisas contadas nessa narrativa de autobriografia fantasiosa, ou seria uma ficção de autobiografia?, aconteceram de verdade, não são simplesmente parte de um roteiro planejado, e Spilberg jura de pé junto que a cena final do filme aconteceu palavra por palavra.
Por fim, não espere por fins fechados, afinal, a história do protagonista continua fora das telas, e podemos ver os louros em filmes como A Lista de Schindler. Não há finais felizes, nem tristes, ou respostas para todas as perguntas. O filme é sobre a vida e a arte, e as duas nem sempre fazem sentido.
Os Fabelmans é um filme bonito, delicado, e que te deixa com aquela sensação de ter assistido algo incrível, mesmo que não saiba explicar o motivo.