Em 1917, o diretor Sam Mendes homenageia o avô e, de quebra, faz de seu filme de guerra um espetáculo inovador
Deem tudo para este filme! Buscando encontrar o máximo de imersão com os recursos tecnológicos que o cinema pode proporcionar nos dias de hoje, em 1917 (confira o trailer), o diretor Sam Mendes (007 – Operação Skyfall) faz uma homenagem ao seu avô (que esteve na Primeira Guerra e lhe contava histórias da época) e presenteia o público com uma experiência arrebatadora, elevando a brutal grandiloquência dos filmes de guerra a um novo patamar.
Importante salientar que Mendes é inovador, mas não inventa a roda. O cinema de guerra já vem experimentando esse caráter imersivo há tempos. Para ficar em produções mais recentes, Steven Spielberg é muito lembrado por seu O Resgate do Soldado Ryan (1998), que traz uma sequência inicial (da invasão à Normandia) de tirar o fôlego. O mesmo Spielberg também produziu para HBO minisséries como Band of Brothers (2001) e The Pacific (2010), que buscavam trazer o máximo de realismo para as telas. Destaque para essa última, que em diversas sequências nos faz vivenciar o drama dos soldados com ainda mais intensidade. 1917 é um legítimo herdeiro disso tudo, tentando dar um passo a mais dentro do gênero.
Ao contrário de seu caráter épico, a trama do longa é bem simples. Situada na Primeira Guerra Mundial, ela traz Schofield (George MacKay, de Capitão Fantástico) e Blake (Dean-Charles Chapman, de Game of Thrones), dois jovens soldados britânicos que são encarregados da seguinte missão: entregar uma carta que impedirá a morte de 1.600 outros combatentes de suas forças. Resumindo: o objetivo da trama é nos levar do ponto A ao ponto B.
O que aparentemente pode esvaziar a grandeza do filme, de forma alguma o diminui. Isso por que a sacada está na jornada de seus protagonistas. Para chegar ao destino, somos arrastados junto com eles a experimentar todo o horror da guerra num nível nunca visto anteriormente. Para provocar o máximo de imersão, a experiência nos leva em “tempo real” num plano-sequência impressionante (claro, com truques de câmera que disfarçam os cortes) que só para ao término do longa.
Para acentuar ainda mais o impacto das cenas, Mendes, sem nenhum pudor, abusa da linguagem dos videogames. Algo que, se refletirmos, não é nada absurdo, visto que assistimos cada vez mais a fusão dessas duas mídias e o nível de envolvimento crescente que a indústria dos games tem alcançado. Em 1917, a câmera está constantemente ali, sob os ombros dos protagonistas, ou girando em 360o ao redor dos mesmos. Só não temos o controle da ação nas mãos, mas a sensação é de estarmos presenciando um game de última geração, com fases elaboradíssimas que lembram os melhores trechos de jogos de terceira pessoa como Uncharted e Tomb Raider. Em momentos de respiro – com participação especial de atores famosos como Colin Firth (O Discurso do Rei), Mark Strong (Shazam!), Benedict Cumberbatch (Vingadores: Ultimato) e Richard Madden (Rocketman) – parece até que estamos diante de cutscenes que separam uma fase da outra. Mais videogame, impossível!
Abrilhantando mais o espetáculo, o filme conta com o genial Roger Deakins (Blade Runner 2049) como diretor de fotografia, num primoroso trabalho que provavelmente lhe conferirá um segundo Oscar na carreira (confira os indicados ao Oscar 2020). Sem poder utilizar iluminação artificial devido a forma como o longa foi filmado – as cenas durante o dia foram todas gravadas sob o céu nublado –, sua colaboração se apresentou ainda mais desafiadora e, não menos, impressionante.
A verdade é que tecnicamente o longa é impecável. Até aparentes erros – como, por exemplo, passagens em que a câmera atrasa ao acompanhar a visão dos protagonistas nos colocando alguns segundos às cegas sob o que está à frente – ajudam a envolver mais o espectador. Contribuem ainda para esse grau de imersão cenas com moscas que parecem passar por nossos ouvidos, ratos transitando em meio aos mortos nas trincheiras e barulhos de tiro que nos fazem desviar ligeiramente o rosto. Não posso deixar de mencionar a excelente trilha sonora de Thomas Newman (Ponte dos Espiões), que envelopa toda a história, contribuindo para compor momentos de arrepiar.
É legítimo questionar a abordagem do longa. Alguns podem ver o virtuosismo de Mendes como algo vazio, privilegiando apenas a forma, com intuito de dar destaque ao espetáculo. Outros (como eu!) já podem viver o que é apresentado de um jeito bem diferente, engajando-se completamente com a jornada daqueles personagens e embarcando numa experiência arrebatadora e sem precedentes na história do cinema.