Love e o amor na era da depressão

O trabalho de Judd Apatow vai além de fazer meras comédias românticas. O humor em seus filmes não está apenas em situações escrachadas, mas nos lamentos carregados por toda uma geração. Aquela que viveu o melhor e o pior dos anos 80, e que além de inúmeras referências de cultura pop, carrega um pensamento que muitas vezes não combina como o “nosso tempo”. Bem-Vindo aos 40, Ligeiramente Grávidos e O Virgem de 40 Anos são exemplos da linguagem de Judd e que é possível que gerações diferentes consigam captar a mesma mensagem. Muitas vezes pode até não parecer, mas o medo de quem chegou aos 40 e poucos não é tão diferente de quem está nos 20 e poucos.

Love, uma das novas atrações originais da Netflix, faz bem essa ponte entre tempos diferentes. E com a já conhecida pegada de Judd Apatow nos mostra que vivemos de fato em uma nova era. As comédias românticas dos anos 90 e início dos anos 2000 não servem mais nem como boas recordações. Vivemos a Era da Depressão, onde o amor deixou de ser um objetivo e tornou-se uma opção que muitas vezes nem é vista com bons olhos. Na série, Mickey (Gillian Jacobs de Girls) e Gus (Paul Rust) são nossos guias no tour sobre “Como o amor funciona atualmente”. Eles estão longe do padrão “doce” que conhecemos em outras oportunidades, são mais um retrato do que somos de verdade. Personagens com defeitos, vícios, inseguranças, momentos de vergonha extrema e uma vida social pra lá de conturbada.

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Gus foi traído por sua namorada, que entre algumas desculpas para justificar o que havia feito, o acusou de ser muito mole e até mesmo de dizer “eu te amo” em excesso. No trabalho a situação também não é das melhores. Enquanto persegue o sonho de tornar-se um roteirista, tem que passar seu tempo como professor particular de uma estrela mirim enquanto seu grande objetivo parece morrer um pouco mais a cada dia. Mickey também está na mesma situação. Seu atual namorado é um sem futuro que depende da mãe para tudo. No trabalho, como produtora de uma rádio local, o relacionamento com o chefe não vai bem e ela acha que vai precisar de uma medida drástica para salvar a própria pele. Ambos se conhecem numa situação comum, do tipo que passa despercebida por nossos olhos milhares de vezes ao dia.

Gus e Mickey são completamente opostos. Só isso bastaria para criar uma linda história de amor nos filmes e séries que já cansamos de ver, mas não é o caso aqui. Ele se aproxima dela na esperança de ter alguém legal ao seu lado para esquecer da recente decepção. Cansada de caras ruins, em um determinado momento ela enxerga nele uma redenção. O ponto forte de Love é usar situações do cotidiano sem transformar tudo em vergonha alheia. Um jantar desastroso, um programa de casal que não sai como o planejado, uma festa constrangedora. É possível rir disso porque, certamente, já passamos por algo parecido. Os personagens secundários também merecem destaque, principalmente a amiga australiana de Mickey, Bertie (Claudia O’Doherty).

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Love entra no grupo das ótimas séries da Netflix e ao lado de Master of None funciona como uma abordagem consciente e crítica da nossa realidade. Ainda que não tenha a mesma qualidade da atração estrelada por Aziz Ansari, que flerta com muitos outros aspectos da sociedade, Love não deixa de cumprir seu objetivo. Méritos de Judd Apatow que consegue entender todas as gerações.