O que Marielle Franco (Taís Araujo), Nelson Mandela (Bukassa Kabengele), Mirtes Souza (Tatiana Tibúrcio) e James Baldwin (Ângelo Flávio) têm em comum? Além do fato de serem negros, os quatro, por suas trajetórias de luta e resistência incontestáveis, poderão ser vistos e ouvidos em ‘Falas Negras’, especial que a TV Globo exibe em 20 de novembro. Além deles, o público confere mais 18 depoimentos históricos no programa, idealizado e organizado por Manuela Dias e com direção de Lázaro Ramos. A emoção dedicada a interpretar cada uma dessas histórias é ponto que também une Taís Araujo, Bukassa Kabengele, Tatiana Tibúrcio e Ângelo Flávio. Os atores comentam sobre o que os moveu durante a gravação do especial em entrevista abaixo. Essa é a segunda parte com depoimentos do elenco. Clique aqui para ler a primeira parte, que contou com Barbara Reis, Izak Dahora, Guilherme Silva e Tulanih Pereira.
Taís Araujo vive Marielle Franco em Falas Negras – Vereadora, socióloga, ativista de direitos humanos, nasceu no Rio de Janeiro, no Complexo da Maré, viveu entre 1979 e 2018. Eleita vereadora em 2016, presidiu a Comissão de Defesa das Mulheres e foi executada na noite de 14 de março de 2018. Sua morte virou um marco e motivo de protestos por vários países do mundo. Ainda hoje o caso não foi desvendado. A Vereadora defendia as causas das mulheres, negros, LGBTs e da periferia.
Como foi interpretar Marielle Franco?
Eu fiquei muito emocionada com o convite porque a Marielle significa muito para mim, em muitos lugares. Eu fiquei muito feliz! É uma personagem importante para a história recente no Brasil. Eu senti vontade de ter conhecido mais a Marielle. Me deu esse desejo de falar “meu Deus, por que eu não sabia tão mais dela antes da execução?” Eu acho que todos os brasileiros mereciam conhecê-la mais. Ela tinha tanto a dizer e tanto a fazer…
Como é ser dirigida pelo Lázaro Ramos?
Eu adoro ser dirigida pelo Lázaro. Ele é um diretor muito afetuoso, ao mesmo tempo, é firme. Ele sabe muito o que quer e consegue passar para o ator, potencializando esse ator. Não só o elenco, mas a equipe também. O clima no set que ele dirige é sempre muito bom porque você sente a valorização de cada profissional. E cada profissional se sente valorizado e, consequentemente, está ali dando seu melhor. Então, é bonito de ver, também enquanto companheira dele, o quanto ele é talentoso nesse lugar. No lugar da concepção, da criatividade, do maestro e no lugar do líder. Porque é fundamental valorizar sua equipe e ele faz isso como ninguém.
Bukassa Kabengele vive Nelson Mandela em Falas Negras – Advogado, presidente da África do Sul, viveu entre 1918 e 2013. Mandela liderou o movimento contra o Apartheid – legislação que segregava os negros no país. Condenado em 1964 à prisão perpétua, foi libertado em 1990, depois de grande pressão internacional. Recebeu o “Prêmio Nobel da Paz”, em dezembro de 1993, pela sua luta contra o regime de segregação racial.
Como foi interpretar Mandela, se emocionou com o texto?
Fazer o Nelson Mandela é a realização de um dos meus sonhos mais preciosos. Estou em êxtase. Madiba conversa com as minhas buscas na vida por dignidade e direitos iguais para todos. Suas falas são atuais, me tocam e emocionam. Dão sentido a toda minha batalha contra o racismo. Mergulhar nesse texto me fez ficar em paz com minhas lutas pelo respeito humano. Mandela está em mim há bastante tempo, muito mais do que eu imaginava.
Para você, qual o maior mérito do especial?
O grande mérito desse especial, entre vários ganhos, é trazer para o público, num único episódio: protagonismo, representatividade, história, cultura, visibilidade, ancestralidade e humanidade. É de fato respeitar o lugar de fala dos negros em suas lutas. São 22 personalidades importantes nas construções da dignidade e diretos humanos para a população negra na história mundial. Essas falas representam todas as vozes de vítimas do racismo estrutural. Trazem empoderamento, identidade e autoestima. Essas falas nos fortalecem e dignificam.
Tatiana Tibúrcio interpreta Mirtes Souza em Falas Negras– Mãe do menino Miguel Otávio, que morreu após cair de um prédio de luxo no Recife.
Foi muito doloroso viver a Mirtes e interpretar o texto dela?
Foi doloroso, mas necessário. Eu não enxergo essas palavras como um texto, eu enxergo como um grito, um brado, um apelo. O desabafo de toda mãe negra brasileira. Digo isso pelas particularidades do racismo no nosso país. Essa fala da Mirtes, de alguma maneira, é a minha fala também, é o medo de todas nós, concretizados na vida dessa mulher. Dizer aquelas palavras foi muito difícil, doeu porque elas estão concretizadas num lugar de muita proximidade. Como mãe de um menino negro, eu entendo, eu sinto a dor dessa mulher no detalhe onde ela reside. Quando uma mãe preta perde um filho, ela perde quase tudo porque não tem muito mais. Toda mãe tem medo de perder seu filho para um acidente, uma doença, uma fatalidade, a mãe preta tem medo de perder seu filho por todos esses motivos e também pelo racismo. E foi dessa forma que a Mirtes perdeu o filho dela. Não foi um acidente, quem matou o filho dela foi a indiferença, oriunda do racismo.
Como foi trabalhar no especial como atriz e preparadora do elenco?
Foi uma honra e um enorme prazer. Principalmente, por estar de novo com Lázaro, que é meu parceiro, meu amigo, com quem eu adoro trabalhar junto, porque a gente se entende, na forma como a gente vê um trabalho. Claro que a gente discorda, mas a gente se completa em muitas coisas. Tentei traduzir para os atores o desejo do diretor e conduzi-los da melhor maneira possível. A ideia era ajudar o ator a tirar de si os passos necessários para seguir seu caminho. É um processo delicioso. É como se eu tivesse construindo cada personagem junto daquele ator também.
Ângelo Flávio encarna James Baldwin em Falas Negras – Escritor, dramaturgo, poeta e crítico social, nasceu nos Estados Unidos e viveu entre 1924 e 1987. Na escola, seu talento para a escrita foi notado desde cedo e foi estimulado por professores. Em Paris, escreveu o livro semiautobiográfico ‘Go tell it on the mountain’, publicado em 1953 e considerado pela revista Time, em 2005, um dos 100 melhores romances de língua inglesa do século 20.
Como foi viver James Baldwin?
Foi um desafio e uma responsabilidade muito grande interpretar o ativista negro, homossexual e escritor gigante James Baldwin. Um homem que esteve à frente do seu tempo e lutou contra o racismo e pelos direitos civis. Ao lado de grandes líderes negros como Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King. A dinâmica do seu raciocínio é de uma estrutura muito difícil de se interpretar, pois há diversos pensamentos simultâneos para o desenvolvimento de uma lógica propositiva. Me emocionei muito, pensava nele a todo instante. Estamos falando do intelectual negro e gay que problematizou a invenção do negro e do branco nas Américas e no mundo.
O que significa 20 de novembro para você?
O 20 de novembro é uma data simbólica que marca as lutas, a existência e resistência física e simbólica dos negros e negras em um Brasil que após a abolição da escravidão em 1888, os entregou ao abandono social, sem terra, sem escola, sem trabalho, entregues a trincheira das piores condições de sobrevivência. Esta data marca a nossa resiliência de ser flor apesar das condições de um solo socialmente árido.
Falas Negras será exibido pela TV Globo no dia 20 de novembro.