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The Outsider: o horror brilhante de Stephen King na televisão

Por Gabi Barbosa

Stephen King é um dos escritores de terror mais bem sucedidos dos últimos tempos. Somente na última década, mais de dez títulos ganharam adaptações para o cinema e para a televisão. Dentre a lista de maiores sucessos está It: A Coisa, Cujo, O Iluminado e muitos outros. 

A Netflix também alimentou seu catálogo com obras do autor, como é o exemplo de Jogo Perigoso (Gerald’s Game) e 1922. Há, em cada narrativa, uma manipulação que nos mantém atentos e curiosos ao folhear páginas ou assistir cenas seguintes. Não é de se admirar que King seja um dos dez escritores mais bem pagos do mundo. 

 

O que há de tão interessante nas obras de Stephen King? Por que o sucesso é estrondoso no mundo todo? O escritor se vê como uma extensão de tudo que escreve: todo o horror, disse ele à revista Rolling Stones, está embutido nele. A maior parte do horror que Stephen cria em suas obras, na realidade, não nos causa tanto medo assim ou, quando causa, são medos mais abstratos, visto que um de seus mais famosos vilões é um cachorro, uma figura presente em nosso cotidiano e  relativamente inofensiva.

Em janeiro deste ano, a HBO lançou a adaptação de uma obra de 2018, The Outsider, série que contou com dez episódios, sendo o último tendo sido lançado no início de março.

The Outsider tem uma premissa, inicialmente, simples. A história se passa numa cidadezinha no interior dos Estados Unidos, onde ocorre o assassinato de uma criança, Frank Peterson, na floresta local. O acusado e foco das nossas atenções, Terry Maitland, treinador de baseball, é preso pelo crime., Terry estava fora da cidade no dia do crime e existem filmagens que comprovam a presença dele em um hotel, porém, como a polícia do condado procederia se, acredite ou não, as digitais de Terry Maitland estivessem espalhadas pelo corpo da criança morta?

 

Os problemas da polícia só aumentam quando Terry é assassinado à caminho de seu julgamento e o atirador é ninguém menos que o irmão da criança mutilada na floresta. Logo a cidade passa a ter uma aura densa, onde é quase palpável o terror que circunda os moradores locais. Além disso, há uma figura de moletom circulando na cidade que está sempre no segundo plano das câmeras, observando quando as mortes acontecem, sendo para nós um mistério arrepiante.

Os personagens principais são, como em todas as obras de King, vastamente explorados e fascinantes: Ralph Anderson, um detetive de meia-idade. Holly Gibney, uma investigadora particular contratada para ajudar a polícia no caso de Terry Maitland. Jack Hoskins, um policial bêbado e encrenqueiro da cidade.

Ralph Anderson é um sujeito ranzinza no meio de seus quarenta e poucos anos que passou grande parte do tempo tentando preencher suas lacunas vazias no trabalho desde que perdeu o filho único. Ralph é emocionalmente atormentado pela morte de Terry Maitland no dia de seu julgamento e, por isso, se dispõe a ajudar sua família com o que precisarem, além de continuar com as investigações até que se chegue numa conclusão.

 

Mas é Holly Gibney quem brilha nesta série. Ela sofre de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), desordem de processamento sensorial (síndrome caracterizada pela resposta exagerada do corpo a estímulos comuns) e, também, apresenta algumas características que possivelmente indicam Síndrome de Asperger. Ela tem um senso de espaço fantástico e linhas de raciocínio desproporcionais a qualquer adulto normal. É através de seus olhos que enxergamos toda a verdade por trás dos mistérios.

The Outsider
Reprodução: HBO

Enquanto Holly Gibney volta nos acontecimentos que sucederam a morte da criança na floresta, surgem diversos questionamentos e dúvidas: como Terry Maitland poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo? É obviamente impossível que a polícia estivesse cogitando algo tão improvável. É por este motivo que a detetive abre uma porta que, estava fechada e bem escondida tantos dos olhos das autoridades, quanto dos espectadores: a misticidade dissolvida na névoa de mistério do assassinato. 

El Coco na Espanha, Cucuy no México, Cuca (ou Bicho-Papão) no Brasil. Todos estes nomes foram citados em Outsider para se referir a uma lenda muito difundida em países de língua latina, o monstro sem rosto que captura crianças que se comportam mal e as come. É o puro mal, que busca nada que não seja causar dor, sofrimento e se alimentar destes. Muito embora saiba nomes, a investigadora não está muito interessada em como chamar a criatura, mas sim em sua história e como detê-la e provar a inocência de Terry Maitland.

As múltiplas sensações angustiantes (também os pesadelos) que vêm acompanhando Holly durante todo seu trajeto na série não a deixam fraquejar diante da possibilidade de estar lidando com algo sobrenatural, até porque ela mesma demonstra sentir a malignidade debaixo da própria pele, como a sensação de ser observada, por exemplo. Afinal, como uma lenda folclórica estaria tão intrinsecamente envolvida numa rede de assassinatos? Todos cometidos por pessoas que tinham álibis no advento dos crimes.  E, mais importante, por que ninguém nunca investigou mais profundamente?

Naquela circunstância, Holly é quem decide ver até onde vai o mesmo conjunto de coincidências nos casos de assassinato, basicamente ir além do que a polícia foi. Nos é revelado, finalmente, um verdadeiro ritual seguido pela criatura. E é quando Jack Hoskins se torna um dos alicerces mais importantes da trama.

 

Jack é aquele sujeito brigão que normalmente mantemos uma distância segura, está sempre arrumando confusão aonde quer que vá, simplesmente por ser marrento e passar a maior parte do dia bêbado. Poucos colegas de Jack gostam realmente dele.  Em uma de suas noites de bebedeira, Jack é convocado a ir até um dos pontos de investigação, um estábulo. As cenas não nos mostram muito, mas a esta altura estamos apertando os dedos no sofá, com o coração saindo pela boca. A tensão construída desde que o policial acende lanterna até ouvir os primeiros ruídos vindos dos cantos mais escuros da tela, casa perfeitamente com a trilha sonora assustadora. Então já entendemos o bastante: ele passa a ser envolvido no ciclo de rituais da criatura. 

A fotografia e a trilha sonora de The Outsider foram milimetricamente planejadas para trazer uma sensação de insegurança, os cenários são balanceados entre quartos escuros com poucas brechas iluminadas, como quando uma das filhas de Terry Maitland conta a mãe sobre ter recebido a visita de alguém com o rosto derretido. Um outono perturbadoramente representado por árvores perdendo suas folhas, apresentado nas primeiras cenas do corpo mutilado do menino assassinado, e subsequentes dias chuvosos. 

Finalmente, arrisco dizer que a adaptação da HBO foi um grande sucesso, visto que as críticas são sempre muito positivas, tanto do ponto de vista de críticos, quanto dos próprios fãs nas redes sociais. A história foi muito fiel a obra, trouxe ótimos atores, dentre protagonistas e secundários, e deslanchou perfeitamente, sem apressar acontecimentos e, claro, desatando todos os nós que precisavam ser desatados para a temporada, além de ter cumprido com o prometido: uma boa dose de terror, mistérios interessantes e fuga ao óbvio, uma marca registrada de Stephen King.

Esse post é fruto de uma parceria entre o Molho Shoujo Podcast e o CosmoNerd. Confira os episódios do programa clicando aqui.