The Handmaid's Tale The Handmaid's Tale

Crítica | The Handmaid’s Tale e a distopia palpável de Margaret Atwood nas telas

Uma das melhores séries da atualidade, The Handmaid’s Tale é, ao mesmo tempo, um aviso da capacidade humana e uma excelente construção de universo fictício

Dificilmente você assistirá uma série tão absurda (e ao mesmo tempo tão atual) como The Handmaid’s Tale. Baseado no livro homônimo de Margaret Atwood (lançado no Brasil pela Editora Rocco como O Conto da Aia), a série original do Hulu (plataforma de streaming concorrente da Netflix lá fora) ganhou diversos prêmios após seu lançamento como Globo de Ouro e Emmy Awards sendo apontada, inclusive, como umas das melhores da atualidade.

Mas por que um livro lançado em 1985, com uma história tão incrível, só se tornou conhecido pelo grande público agora?

A resposta mais óbvia é o feminismo. Pautas que discutem o direito das mulheres estão cada vez mais sendo abordadas, sem contar que antigamente elas eram silenciadas ou relativizadas numa velocidade incrível. Nesse sentido, até poderia ficar a impressão de que as mulheres (e qualquer homem sensato) têm o que comemorar, pela conquista de direitos e espaços dominados só por homens. Poderia.

O timing de The Handmaid’s Tale é absurdamente preciso. Junto com tantas conquistas, há também o avanço de pautas ultra conservadoras e a descoberta de que redes sociais (que promovem a liberdade de expressão) não são toda a maravilha que pensávamos. Ou seja: a série pode até aparentar (seja pelos figurinos ou falta de tecnologia) ser um produto de época, mas na verdade ela se situa em nosso tempo, dando um tom fresco de denúncia e aviso a respeito do que podemos nos tornar como sociedade.

Você pode até justificar que isso não se aplica a nós, brasileiros, uma vez retratado uma distopia só nos EUA. Porém, basta olhar o modo como seguidos os costumes estadunidenses para quebrar rapidamente essa tranquilidade. A previsão de The Handmaid’s Tale não é em vão. Apesar de canadense, Margaret Atwood parece ter usado do bom senso ao supor que seu país não fosse aderir a tal regime totalitarista como é apresentado na série. Mas tudo isso são suposições.

O que conta o conto da aia?

The Handmaid’s Tale mostra um mundo com sérios problemas de natalidade, onde poucas mulheres são capazes de gerar filhos. Com isso, o conservadorismo atinge níveis altíssimos onde ocorre a culpabilização dos homossexuais por tal situação, culminando em punições como enforcamento e desmembramentos em praça pública a qualquer um que não siga as regras estabelecidas a partir dos preceitos religiosos.

A série é muito bem estruturada, onde cada episódio possui a missão de apresentar ao espectador um teco dos elementos que compõe o universo estabelecido. Uma decisão natural, além de usada algumas vezes ao longo dos anos no audiovisual. Junto a isso, temos momentos flashback para explicar como e porque os personagens chegaram até o ponto em questão. Algumas dessas lembranças no entanto, se tornam arrastadas ao longo dos episódios, e a nossa vontade em conhecer ainda mais sobre o mundo atual fazem com que esse seja o único ponto da série onde há algo a ser apontado como ruim.

O elenco possui figuras interessantes como Alexis Bledel (mais conhecida como Rory em Gilmore Girls) e Ann Dowd (que vive a Tia Lydia, uma figura fanática, sádica e devota), e algumas surpresas como Madeline Brewer, que vive Jenine. Sem ser muito exigido, Joseph Fiennes consegue entregar um bom comandante com Fred Waterford. Outra atriz em lugar comum aqui é Samira Weley, onde Moira é sim uma personagem muito interessante, mas com traços parecidos com os apresentados em Orange is the New Black.

cena de the handmaid's tale onde ocorre o ritual de fertilização

Porém, duas atrizes se destacam aqui juntamente com a importância de suas personagens. A primeira (e um tanto óbvia) é a protagonista, Elizabeth Moss, que dá vida a June, a figura pela qual iremos conhecer os maiores detalhes da série e o universo que habita. Seu desempenho é digno de aplausos e continuar elogiando aqui seria redundante. Já a australiana Yvonne Strahovski, que dá vida a Serena, é certamente a melhor figura de The Handmaid’s Tale (depois de June). Além da mistura de emoções e contradições pelas quais sua personagem precisa passar (afinal, sua personagem ajudou a criar algo que silenciou ela mesma), há muito sentimento internalizado ali, e Strahovski replica isso muito bem na tela.

A profundidade dos personagens em The Handmaid’s Tale é algo elogiável. Coisas pouco pensadas, como mostrar que Luke começou a namorar June enquanto ainda era casado, reforçam o tom de humanidade dos personagens. Para quem ainda não conseguiu assistir, a série está sendo exibida no Paramount Channel, para assinantes de TV a cabo. A segunda temporada chega ainda esse mês, sem previsão de estreia no Brasil.