O texto a seguir contém SPOILERS da última temporada de Ted Lasso!
É curioso pensar que futebol e séries são divididos em temporadas. E que em ambos os casos, algumas são excelentes e outras nem tanto. Para manter a analogia, Ted Lasso é o time que surge do nada e consegue se destacar em um campeonato tão disputado quanto o do streaming. Ainda mais se levarmos em conta que a Apple TV não é um patrocinador com tradição no segmento. No entanto, assim como Palmeiras e Parmalat, essa união extremamente vitoriosa chegou ao capítulo final. E se o AFC Richmond viveu sua temporada mais gloriosa na história, o mesmo não pode ser dito de sua série.
Para além da qualidade do roteiro e do carisma dos personagens, Ted Lasso brilhou por entregar humor e leveza num período extremamente conturbado da humanidade. Era reconfortante acompanhar 30 minutos de risos, uma pitada de drama e momentos de autoajuda enquanto Ted e seus amigos tentavam salvar Richmond. Porém, o sucesso fez com que os executivos exigissem muito mais da trama em seu último ano, assim como um técnico que cobra demais no último treino antes da partida final. E o roteiro não tinha de onde tirar forças, o que resultou em 12 episódios – alguns com mais de 60 minutos – que correm sem sair do lugar. Todas as subtramas precisam ser concluídas de alguma forma, o que prejudica os alicerces do show.
O elenco de apoio foi espremido em histórias episódicas que abordaram temas importantes, mas que não encaixavam no atual contexto da série. Quando se tem muito a dizer é preciso fazer isso de forma harmônica. Imigrantes ilegais, homofobia no esporte e superestrelas problemáticas foram alguns dos aspectos sociais levantados na terceira temporada. E acredito que, com um roteiro mais refinado, Ted Lasso faria isso de maneira absurda. Claro que algumas passagens aquecem o coração, mas tudo é um pouco raso no fim das contas.
O próprio Ted (Jason Sudeikis) perde força na última temporada. Prefiro analisar pela ótica do mestre que deixa os discípulos se destacarem, mas dói o coração ver o personagem se transformar apenas num provedor de palavras de conforto e frases inspiradas. E não era assim nas outras temporadas? Não, porque parecia mais orgânico. Seus dramas sobre saúde mental e a distância da família perderam relevância. No primeiro episódio da temporada ele se pergunta o que ainda está fazendo em Londres. Talvez como uma Mary Poppins esportiva, ele só possa partir quando ajudar aquela família disfuncional.
Ainda assim, nem tudo está perdido como um gol nos acréscimos da prorrogação. Gosto do desenvolvimento e encerramento dos coadjuvantes que ganharam o coração do público. Todo o trajeto de “Natte” Shelley (Nick Mohammed) é precioso de acompanhar. Diferente do que o gancho do segundo ano deu a entender, ele nunca foi o vilão. Era apenas alguém que se deixou levar pelo sucesso repentino. Sua jornada de redenção é delicada e emocionante. Sua reaproximação com Ted acontece nos detalhes, sem a necessidade de um grande discurso. Vale destaque também para a amizade entre Roy Kent (Brett Goldstein) e Jamie Tartt (Phil Dunster), representando os homens que, aos trancos e barrancos, aprendem a expressar seus sentimentos.
O núcleo feminino ganha um encerramento digno. Rebecca Welton (Hannah Waddingham) completa a evolução que começou no final da primeira temporada. E o melhor é que aprende tudo por conta própria. Provavelmente é a personagem que melhor se desenvolveu durante a série. Já Keeley Jones (Juno Temple) sofre um pouco por se envolver em outra trama de romance, mas consegue terminar em um ponto bastante satisfatório.
Não me entendam mal, Ted Lasso continua extremamente cativante e emocionante. Apesar de não ser fã dos Beatles, nunca mais vou conseguir ouvir Hey Jude sem chorar copiosamente. Mas assim como o futebol, séries não costumam terminar da maneira que esperamos. De toda forma, o saldo geral é extremamente positivo. Enquanto a Apple TV não se decide sobre possíveis spin offs, seguirei entoando o grito da torcida: Richmond até morrer!