Ratched

Sem dúvidas, Ryan Murphy é um dos showrunners mais prolíficos da indústria. Mesmo com temáticas distintas, produções como American Horror Story, Pose, Hollywood, The Politician e etc carregam sua assinatura pesada. Geralmente composta de questões sociais importantes, uma paleta de cores gritante, personagens complexos, suspense e doses de gore. Porém, ainda que possua uma clara linha de trabalho, nem sempre o resultado final é satisfatório. Ratched, seu novo projeto do contrato com a Netflix, é um exemplo do quanto as ideias de Murphy podem funcionar em alguns momentos e falharem no resto do tempo.

Baseada na personagem Mildred Ratched, presente no livro escrito por Ken Kesey e vivida por Louise Fletcher no longa Um Estranho no Ninho, a série promete abordar o passado secreto de uma das maiores vilãs da cultura pop. Contudo, acaba por esbarrar em questões como necessidade e execução da premissa. O primeiro problema está no motivo da criação do espetáculo. Ainda que o filme dirigido por Milos Forman seja um dos melhores da história do cinema, tanto ele quanto o livro original perderam força ao longo dos anos. Com um impacto cultural tão raso para o público atual, é necessário que Ratched se apoie em outros aspectos, como o elenco e a figura de Ryan Murphy. E que ambos funcionem bem para manter o espectador minimamente interessado.

E isso leva ao segundo e principal problema: Murphy não consegue controlar seus exageros. Por mais que aproveite a liberdade de não precisar seguir fielmente uma linha cronológica de eventos, o criador acaba se perdendo entre discussões sobre sexualidade, violência extravagante e tentativas escancaradas de emular certos efeitos de Hitcock. O que poderia ter sido um eficiente suspense de época em um ambiente desolador como um hospital psiquiátrico, torna-se um emaranhado de subtramas conectadas de maneiras pouco orgânicas. A sensação constante é que estamos diante de uma versão abandonada do plot de American Horror Story: Asylum.

Existe também uma confusão de intenção em relação a personagem principal. A ideia é mostrar os caminhos que moldaram sua personalidade até ao que é apresentado em Um Estranho no Ninho. Mas o que vemos nos primeiros episódios é uma mulher capaz dos atos mais vis e violentos para alcançar seus objetivos, para que apenas ao longo da temporada seu lado mais humano seja trabalhado. Logo, a discussão sobre a ambiguidade entre a personagem ser puramente má ou vítima do meio em que está inserida acaba prejudicada.

Divulgação: Netflix

No elenco, Sarah Paulson acaba roubando a cena. Velha conhecida de Murphy, ela sabe como levar as ideias do produtor para sua atuação. A composição da personagem, alternando entre a sagacidade e a fragilidade, ajudam no desenrolar da trama. Outros nomes que se destacam são Jon Jon Briones como o controverso Dr. Hanover, Judy Davis como a enfermeira chefe Betsy Bucket e Cynthia Nixon  que vive Gwendolyn Briggs. Todos cumprem muito bem suas funções na história, mesmo que alguns rostos estejam bastante deslocados. Por exemplo, a personagem interpretada por Sharon Stone que parece um fruto dos devaneios de Murphy.

Nos aspectos técnicos, não tem muito o que reclamar. Ryan Murphy sabe muito bem como trabalhar a paleta de cores, figurinos, cenários, fotografia e trilha sonora. Algumas cenas são realmente fascinantes, muitas delas ambientadas no hospital psiquiátrico. Uma pena que os pontos positivos acabam engolidos por todas as falhas presentes nos oito episódios da primeira temporada. Até mesmo o gancho para o segundo ano, já encomendado pelo serviço de streaming, não é cativante.

Ratched acaba sendo uma jornada que agrada aos olhos, mas que não tem muito o que dizer. Na ânsia de passear por vários assuntos, a série não retrata nenhum deles com eficiência e pior, tira o brilho dos poucos elementos que merecem destaque. Talvez seja a hora de Ryan Murphy tirar umas férias.