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Olhos que Condenam (Netflix): um drama brutal sobre racismo | Crítica

Minissérie Olhos que Condenam, nova produção de Ava DuVernay para a Netflix, é baseada em história real ocorrida em Nova York

Brutal e arrasadora. É assim que defino a experiência de assistir à nova minissérie da Netflix, “Olhos Que Condenam”.

Escritos e dirigidos por Ava DuVernay (a mente por trás do indicado ao Oscar, “Selma”, e pelo premiado documentário “A 13ª Emenda”), os quatro episódios da nova produção contam a história real do grupo de adolescentes americanos presos e condenados injustamente pelo estupro de uma mulher em pleno Central Park.

O caso aconteceu em 1989 em Nova York, época onde a taxa de crimes preocupava a cidade. Na hora e no lugar errado, um grupo de jovens negros e latinos foi apontado pela polícia como responsável pelo estupro de uma corredora branca no famoso cartão postal da cidade. Dando início a uma caça às bruxas de viés descaradamente racial que envolveu forças policiais, a imprensa, promotores e políticos da época.

Imagem: Netflix

Produção aborda abusos cometidos por policiais, promotores e jornalistas

Logo no primeiro episódio é facil perceber que DuVernay não pretender gastar muito tempo criando um background das vidas dos garotos do Harlem, bairro centro da cultura negra norte-americana. Ela nos guia direto ao ponto inicial da trágica história: a prisão de Antron McCray, Kevin Richardson, Yusef Salaam, Raymond Santana e Korey Wise.

Mesmo sem evidências que os ligassem à cena do crime, os garotos são levados à delegacia, onde se inicia uma sequência de abusos, tortura e agressões por parte dos policiais e detetives. Mesmo sem a presença de responsáveis ou advogados, os jovens são interrogados durante horas e coagidos a confessarem um crime que não cometeram. A “investigação” é comandada pela detestável detetive Linda Fairstein, incrivelmente interpretada por Felicity Huffman.

O título original da série, When They See Us (Quando Eles Nos Veem, em português), é projetado nas cenas e nos diálogos dos policiais, sempre humilhando e menosprezando os jovens. DuVernay aposta nessa violência psicológica, social e racial para tocar o espectador, ao invés de apenas socos, tiros e sangue.

Imagem: Netflix

Com o circo armado, o segundo capítulo da minissérie abre alas para a espetacularização do caso feita pela imprensa da época. As manchetes sensacionalistas contribuíram diretamente para a condenação prematura dos cinco garotos, antes mesmo de serem ouvidos no tribunal. Sem pudor, os jornais impulsionavam o discurso de ódio emitido pelas autoridades, que reforçavam os estereótipos sobre a população negra.

Cutucada em Donald Trump

Com olhar político aguçado, Ava DuVernay não perdeu a oportunidade de alfinetar o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que à época do caso, fez uma gigantesca e irresponsável propaganda contra o grupo do Harlem. Além de entrevistas sobre o ataque, o milionário pagou U$ 85 mil dólares por anúncios em jornais locais, onde dizia “tragam de volta a pena de morte”, reforçando o coro por “justiça” a qualquer custo que dominava a cidade.

Tudo isso acontece durante o julgamento dos jovens, marcado por intensas manifestações e, naturalmente, pela cobertura midiática. A negligência do judiciário, o empenho da promotoria em ignorar evidências e armar situações, somada ao despreparo dos advogados de defesa, resultou na condenação dos cinco adolescentes que pegaram entre 6 e 12 anos de prisão, com um deles, Korey, sendo julgado e condenado como adulto, pois já havia completado 16 anos. Apesar de já sabermos a decisão do juiz, é impossível não se comover e não se revoltar com a decisão arbitrária.

Antes de seguir para a terceira parte da produção, é preciso pontuar as incríveis atuações de todo o elenco. Os atores Caleel Harris (Antron), Yusef Salaam (Ethan Herisee), Korey Wise (Jharrel Jerome), Raymond Santana (Marquis Rodriguez) e Kevin Richardson (Asante Blackk) entregam um incrível trabalho interpretando os cinco garotos na primeira metade da trama.

O recomeço impossível

Após o massacre vivido no tribunal, é hora de acompanhá-los até onde eles cumprirão suas penas. No entanto, pouco é exibido sobre o período de encarceramento, apenas o suficiente para que vislumbremos um rápido e emocionante salto temporal.

Há quem sinta falta desse arco na série, mas fica claro, desde o início, que o objetivo dos produtores não é apenas contar a história tal qual aconteceu, mas explorar os fatores sociais que contribuem para histórias como essas continuarem acontecendo até os dias de hoje, além de fazer refletir nas consequências gerados por tal experiência.

E é esse o objetivo do penúltimo episódio, onde a série vai abraçando um tom mais dramático e melancólico. Agora adultos, os “Cinco do Central Park” começam a ganhar a liberdade que lhes foi roubada. Conter as lágrimas durante os reencontros familiares é uma tarefa difícil. Acompanhamos a difícil adaptação de quatro dos cinco rapazes em liberdade, momento onde eles percebem que a “dívida” que eles pagam injustamente nunca será apagada e encaram olhares, julgamentos, e dificuldade de se reintegrarem à comunidade.

Imagem: Netflix

Um final amargo

Sobrou para a quarta e última parte da série, e para o personagem Korey, a brutal jornada dentro do sistema penitenciário. Em um episódio espetacular, assistimos a dolorosa e cruel experiência do personagem ao longo dos 12 anos que passou enclausurado. Destaque para Jharrel Jerome, o único a interpretar o personagem na fase adulta, que é espetacular em cena.

O texto final é duro e a diretora encontra em momentos de fantasias/delírios do personagem – que gasta seu tempo na “solitária” imaginando como seria sua vida se nada daquilo tivesse acontecido – outra forma de nos socar o estômago.

A reviravolta acontece e, finalmente, todos estão em liberdade. Mas “Olhos que Condenam” deixa um amargo, porém necessário, gosto na boca de quem a assiste. Um grande acerto da Netflix que, muito provavelmente, deve figurar nas listas das premiações que estão por vir.