A série espanhola de sucesso no Brasil finalmente chega ao fim, mas será que ela é tudo isso mesmo?
Se você está na internet nos últimos meses, com certeza ouviu falar da série La Casa de Papel da Netflix. Aliás, provavelmente alguém te indicou essa série falando que era a melhor produção audiovisual desde Cidadão Kane. E se isso aconteceu, ou você foi ver ou pegou um abuso e nem deu o play. Mas, e aí? La Casa de Papel é isso tudo mesmo? Esse artigo contém spoilers das partes 1 e 2 da série.
Caso você não esteja vivendo em uma caverna, La Casa de Papel trata-se de uma série espanhola distribuída pela Netflix. A trama conta a história de um grupo de assaltantes que planeja assaltar a Casa da Moeda da Espanha. Tudo arquitetado por um misterioso homem chamado somente de “O Professor“. Os criminosos também não se conhecem e utilizam pseudônimos com nomes de cidades para se referir uns aos outros. Com a visão da personagem Tokyo, a história se desenrola mostrando flashbacks do planejamento e os perrengues passados durante o assalto.
Personagens
Os personagens de La Casa de Papel acabaram fazendo muito sucesso com o público, todo mundo adora uma história de ladrões estilo Robin Hood. De início, acho muito esquisita a escolha de colocar a Tokyo como narradora da trama e “personagem principal”. Ela é uma das personagens mais desinteressantes e mal desenvolvidas da série, suas ações são imprevisíveis e você não entende direito quais são suas motivações. Colocar ela como uma personagem principal – nossos olhos – na trama, pelo menos inicialmente, me parece um tiro no pé. Mas ao decorrer da história, outros personagens vão ganhando mais tempo de tela e acabando ainda mais interessantes do que ela.
Vou acabar entrando em um clichê dizendo que O Professor é o meu personagem favorito. Ele é um personagem escrito para que você goste dele e é muito difícil antipatizar com o mesmo. Como características, ele é misterioso, esperto, está sempre um passo à frente e ainda tem ideais revolucionárias que chamam muito a atenção. A segunda personagem que mais gosto na trama é a chefe de polícia Raquel. Se você parar para pensar, ela é a pessoa que tem mais a perder dali. Tendo que combater o machismo no local de trabalho, lutar pela guarda da filha e ainda tentar resolver um crime cometido por alguém que está muito acima dela. Ambos atores representam bem seus papéis, mostrando muito com o olhar e pequenas ações. O Professor tem um trejeito de ajeitar os óculos em momentos-chave que dão um tom bem legal ao personagem.
Outros personagens são carismáticos e bem desenvolvidos como Moscou e Denver, mas às vezes a trama exagera muito nos seus dramas, atrasando um pouco a narrativa da série. Outro personagem fantástico a ser mencionado é Berlim, ele começa como um vilão horrendo que adoramos odiar, muito disso graças à ótima interpretação de Pedro Alonso. No decorrer da temporada vamos gostando do seu jeito excêntrico e maníaco. Eu tenho meus problemas com sua cena de redenção no final, pois não gosto quando humanizam e perdoam um estuprador, mas é uma bela cena ao som da fantástica “Bela Ciao!”.
Infelizmente, a maioria dos personagens possui finais mal desenvolvidos, como se tivesse sido às pressas. Mas vou falar mais sobre isso à frente.
A Produção
La Casa de Papel com certeza está acima de muita coisa em valor de produção. As suas câmeras não são muito criativas e não inventam a roda. Mas a direção é “ok”, não atrapalhando em nada a trama. Existem momentos em que a trilha sonora está muito acima do normal e parece algo plástico demais, mas em geral, as cenas tensas e de suspense conseguem passar bem uma tensão e nos colocam dentro daquela situação. Isso quando o roteiro não exagera demais e acaba estragando muito das surpresas por repetir diversos conceitos.
Eu gosto muito da escolha de colocar os flashbacks durante o assalto. Em um filme de assalto normal, temos, nos primeiros e segundos atos, a junção da equipe e organização do assalto, que só vai acontecer no clímax. Já aqui, o assalto já começa desde o início e vamos acompanhando com flashbacks como foi o planejamento, bem como os planos de contingência para cada problema que ocorre. Isso dá um dinamismo melhor à série, pois ela se passa toda em um único local e seria desinteressante ficar só por ali. Essa estrutura lembra muito a série Lost, que usava os flashbacks como uma forma de construção de personagens e para mudar de locação. A decisão de colocar o plano para ir se desdobrando aos poucos gera uma sensação de surpresa constante na série, pois estamos sempre descobrindo coisas novas. Nessas horas, a montagem faz um bom trabalho, trabalhando passado e presente sem estragar o ritmo da série.
O Roteiro
Já podemos perceber até aqui que La Casa de Papel não é a melhor série do mundo mas, pelo menos na minha opinião, está acima da média. Muito disso vem do roteiro. De longe, a melhor coisa do roteiro da série vem do jogo de gato e rato entre O Professor e Raquel, jogo esse que me lembra muito o anime Death Note. Em ambas as obras, o caçador e o caçado têm um alto nível intelectual e estão muito próximos fisicamente e emocionalmente. Um está sempre à frente do outro e o caçador está sempre muito perto de pegar seu alvo.
Mas para fazer uma obra tão complexa e cheia de desdobramentos como essa, exige-se um roteiro primoroso e sem falhas, algo que essa série não entrega. Em muitos casos, o roteiro se repete e vemos coisas que parece que não levam a lugar nenhum. Somente no final da trama vemos personagens morrendo e ações que realmente mudam o jogo. Até lá temos vários momentos de tensão e ganchos para o próximo episódio que no final acabam não dando em nada, mantendo o status quo. Personagens brigam, entram em conflito, levam tiros e são capturados. Mas em pouco tempo as situações se resolvem e tudo volta ao normal. Somente no final da série é que os acontecimentos têm um real impacto na trama.
As próprias peripécias do Professor cansam depois de um tempo. Não que elas sejam repetitivas, mas acaba se tornando mais do mesmo vê-lo sempre escapando depois de um tempo. Principalmente quando essas fugas acontecem por causa da sorte. Não estou reclamando de tudo que acontece nesse quesito, existem soluções bem inteligentes, mas depois de vários episódios, elas acabam cansando e você não se surpreende mais.
Existem também situações vergonhosas como a volta da Tokyo de moto para dentro do prédio e os tiroteios onde ninguém leva um tiro, mas isso são coisas pequenas dentro de outras coisas boas que o roteiro nos entrega. O principal problema é quando você percebe as safadezas do roteiro. La Casa de Papel tem um ritmo muito bom e sempre está prendendo nossa atenção, mas isso se dá ao fato que tem sempre algo muito tenso acontecendo, que geralmente não dá em nada. Quando isso se repete muito, fica chato.
O Final
Vamos falar do final da série. La Casa de Papel possui umas safadezas bem perceptíveis no seu roteiro. A série possui um ritmo muito bom pois sempre tem muita coisa acontecendo. Os personagens sempre têm que resolver crises e a tensão é sempre alta. Mas, como falado anteriormente, essas tensões não levam a lugar nenhum. No final da série, esses acontecimentos finalmente têm um poder, personagens morrem e o status do mundo muda.
O final de La Casa de Papel é justo e bem feito. Apesar de já estarmos cansados de tantas viradas de roteiro e acontecimentos repetitivos, a série consegue entregar um bom final. Minha principal ressalva é que o final foi feito de forma muito rápida. Vemos diversos subplots e vários personagens, sejam eles assaltantes ou sequestrados, mas poucos deles têm um final digno ou bem explicado.
Por exemplo, a Nairobi tem um arco que conta sobre seu filho. Isso é algo importante durante a série e existe um conflito sobre ela visitar ou não o filho depois que o assalto terminar. Isso faz parte do arco da personagem mas esse arco não se fecha. Existem também os dramas do personagem Denver e Mônica. Lógico que a série não precisa entregar de mão beijada o que acontece com cada personagem, mas não custava nada tirar alguns minutos finais do programa para mostrar onde foi cada um. A série faz a gente se importar com aquelas pessoas e no final acabam a história sem dar um ponto final nessas tramas. É algo cruel e dá a impressão que eles tiveram pouco tempo ou pouco dinheiro no final.
Somente nesse final onde vemos a conclusão da história do Professor e Raquel é que entendemos que a história não era sobre Tokyo, ela era somente nossos olhos na trama e, como muitos ali, não entendia direito o personagem do Professor. A escolha da série terminar com aquele casal nos diz que a história era sobre eles dois, e os outros personagens eram somente coadjuvantes que fizeram parte desse assalto. O plot mais interessante é essa caçada entre os dois enquanto ambos estão envolvidos emocionalmente.
Conclusão
La Casa de Papel não é mesmo a melhor série do mundo e não inventa a roda nem em quesito de roteiro como de direção. Mas é fácil admitir que ela está bem acima da média em termos de séries atuais, principalmente em relação às produções da Netflix. É bom ver que uma produção espanhola está com uma qualidade técnica tão boa e consegue trazer uma ótima história policial. Apesar de tentar abordar temas sociais e políticos em alguns momentos, La Casa de Papel somente arranha esses temas de forma bem infantil e clichê. É uma série para nos divertir com os dramas dos personagens e as situações de gato e rato criadas entre polícia e ladrão. Ela pode também nos fazer refletir sobre quem é o vilão das histórias e a humanidade dos criminosos, mas não é algo muito bem explorado. Fico feliz de ter vencido o preconceito e acompanhado essa história. Aguardo para saber que outras produções teremos da Espanha e digo a vocês Bella Ciao!
PS: A escolha de fazer somente uma temporada dividida em duas partes muito me agrada. Prefiro histórias curtas e bem feitas do que longas que não vão para lugar nenhum. É possível que eles pensem em fazer spin-offs dos personagens, mas eu prefiro que não.