Na Girl Space de hoje, Céfora Carvalho discute se o feminismo e outras causas teriam espaço em um mundo só de replicantes.
Com a estreia de Blade Runner 2049, essa grande obra prima voltou aos holofotes e tem rendido ótimas discussões no meio nerd. O filme lançado em 1982, assim como muitos outros clássicos, não foi entendido pelo grande público, que estava acostumado a ver Harrison Ford em papéis como Han Solo e Indiana Jones, recheados de humor e ação. Em Blade Runner ─ adaptação do livro de Phillip K. Dick lançado em 1968: Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? ─ Rick Deckard é um caçador de recompensas e sua missão é localizar e matar os Replicantes, considerados uma ameaça pelo governo.
Ouvindo o Papo Furado, podcast do meu querido amigo Guga Ferrari, sobre o filme, gostei bastante da visão que deram sobre os replicantes. Eles não são androides como geralmente pensamos: máquinas que imitam humanos como em O Exterminador do Futuro. Os replicantes em Blade Runner são “mais humanos que os humanos”, eles são melhorados em laboratório. Nossas características positivas são implantadas neles, hoje podemos até supor que essas mudanças foram feitas através do avanço genético. Enfim, podemos concluir que replicantes são humanos melhorados.
Como humanos melhorados, os replicantes têm uma visão futurista e ideologias avançadas para o mundo em que vivemos e isso é péssimo para quem está no poder. A não ser que os replicantes estejam abaixo de seu controle, o governo não os quer soltos por aí. Por isso uma das teorias apresentadas no Papo Furado é que o ódio aos replicantes era uma questão de preconceito, que acabou tendo respaldo jurídico. No filme, Deckard aparenta se chocar com isso assim que mata uma replicante e a vê sangrando no chão, percebendo que ela é tão humana quanto todos.
Dada essa base de informações, me pus a pensar em como o filme é realmente profundo e traz inúmeras críticas sociais, em alguns momentos percebo que suas alegorias são aplicáveis ao mundo atual, tal qual o livro 1984 de George Orwell. Apesar do mundo fantasioso que é apresentado por esses autores, facilmente conseguimos obter identificação de suas histórias com nossa realidade. Através disso, penso como seria um mundo dominado por replicantes, humanos avançados e desenvolvidos que não perderiam tempo com os preconceitos que temos. Com certeza seria o mundo que nós mulheres desejamos, pois uma das características seria estarmos em posições igualitárias.
Mas enquanto essa realidade não chega, podemos nos enxergar como as replicantes do mundo atual. Como bem apontado pelo Raphael Carmo em um texto aqui no site, nós que lutamos por algo diferente e que questionamos nossa realidade, somos parecidos em essência aos replicantes imaginados por Dick.
Se Blade Runner foi visto até hoje como um clássico na cinematografia nerd, a partir de agora deve ser visto como algo maior e novas visões. Visões que vão aplicar a realidade cyberpunk e noir do filme a nossa realidade atual. Os replicantes não estão sendo caçados apenas naquela realidade futurista, mas também nas grandes metrópoles mundiais, cercadas por bairros ricos e periferias. Todos que não se encaixem no padrão “normal” serão caçados e exterminados até que apenas a voz dos mais poderosos prevaleça.
Cabe a nós resistirmos e confiarmos na esperança de um futuro melhor através da conscientização de que todas essas guerras preconceituosas “se perderão no tempo, como lágrimas na chuva” ─ frase dita pelo replicante Roy Batty antes de morrer.