Na Girl Space de hoje, Céfora Carvalho mostra uma outra face de 13 Reasons Why quase nunca notada sobre o bullying e o assédio.
Entrei em conflito com a minha mente antes de escrever esse texto e estou ciente de que falar sobre Hannah Baker a essa altura do campeonato é loucura. A série fez um sucesso estrondoso e todos já deram todo o tipo de opinião sobre quase tudo da trama. Mas uma ideia silenciosa e pequenininha foi crescendo tal qual um grão de areia dentro da concha e então aqui está a pérola ─ ou uma tentativa dela ─ que nasceu depois de tudo isso.
Pessoalmente, me identifiquei com muitas situações da série, mas o bullying que sofri foi bem diferente daquele que Hannah presenciou. Minha aparência não parecia agradar, talvez os traços diferentes e o cabelo armado tenham ajudado no processo de sofrer com “brincadeiras” que me marcaram por muitos anos. Recordo que na época olhava para as meninas bonitas da sala e desejava ser como elas, cheguei até a imitar o jeito de algumas para ver se assim era aceita. O que eu mais queria era que me achassem tão bonita quanto elas e esse pensamento continuou até que eu me aceitasse. Depois disso, nunca mais vi nenhuma problemática além da que já é óbvia: não é saudável se odiar dessa forma ─ até o dia em que assisti 13 Reasons Why.
Na série temos uma personagem principal interessante, apesar de não ser tão popular como as líderes de torcida ─ geralmente meninas que se encaixam perfeitamente no estereótipo de beleza da sociedade ─ Hannah é linda e todos sabem disso, inclusive os meninos. Tanto sabem que ela entrou para listas onde diziam quem tinha o melhor corpo e quem beijava melhor, mas isso obviamente a incomodou. Acredito que seja nesse ponto que muitas pessoas dizem que o suicídio da personagem não era necessário, mesmo sabendo que Hannah se tornou um alvo fácil para todos os meninos e chegou até a ser estuprada por um deles. Demorei um tempo para aplicar aquilo a minha vida, mas logo percebi que o meu tipo de bullying acaba ganhando mais atenção por ser óbvio: ninguém gosta de ser menosprezado por sua aparência. Mas, e o contrário?
Nesse ponto alguns leitores já devem estar franzindo a testa e tentando entender qual é o problema, mas acredito que muitas meninas já pegaram a ideia. É horrível ser menosprezada por sua aparência, mas também é horrível vê-la sendo engrandecida de forma abusiva, levando ao assédio. Assim como eu me sentia mal por ser chamada de feia, talvez as meninas “bonitas” também se magoavam ao ter que lidar com todo o tipo de assédio ─ verbal e físico ─ que sofriam mesmo sendo tão novas.
Vou ainda mais a fundo no problema, tirando ele do âmbito escolar e teen e trazendo-o para o dia a dia de mulheres de todas as idades. Talvez casos como o da Hannah não ganhem atenção porque estamos acostumados com isso. É normal (sic) que uma mulher bonita seja assediada, ela tem que ignorar porque “homem é assim mesmo”. E mesmo que isso a incomode, ela deve gostar, afinal “que mulher não gosta de ser elogiada”?
Percebi que esse tipo de coisa é mais perigosa, pois é o primeiro contato de muitas meninas com a sociedade patriarcal e machista na qual vivemos. Com 12 anos, meninas já são expostas ao assédio masculino que sofrerão pelo resto da vida e precisam lidar com homens bem mais velhos (e é sempre bom lembrar que nesses casos trata-se de pedofilia!).
Parece exagero, mas quando colocamos no papel se torna uma triste realidade absurda. Todas nós, independente de nossa aparência, somos atingidas pelo machismo e desrespeito. Hannah foi um exemplo, eu fui outro… De formas diferentes, mas ambas causaram cicatrizes horríveis. Até quando isso vai continuar e como iremos resolver?
Nós mulheres continuaremos nos apoiando até onde der, mas quando todos vão perceber o quão absurdo é essa realidade? Até quando precisaremos gritar o que já é óbvio? Assédio não é elogio. Machismo não é normal e não, sua amiga considerada bonita não tem menos problemas que você. Olhemos umas paras as outras! Meninas apoiem-se!