Lançado na Netflix no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o curta Sitara: Sonhando com as Estrelas mostra como uma animação pode falar tanto, mesmo sem nenhuma fala. Dirigido pela paquistanesa Sharmeen Obaid-Chinoy, o filme conta a história de uma garota paquistanesa que sonha em pilotar avião, mas não sebe que seu destino é outro: um casamento arranjado por seu pai com um homem bem mais velho.
Confesso que ainda tenho dificuldade para entender porque os títulos são, muitas vezes, mal traduzidos para o português. O título em inglês do curta é Sitara: Let Girls Dream que seria algo como “Sitara: Permita o Sonho da Menina”. Essa tradução diria muito mais sobre o que o filme mostra. “Sonhando com as estrelas” acaba sendo um subtítulo raso perto da profundidade da história original também assinada por Sharmeen. A diretora que tem dois prêmios Oscar como melhor documentário curta metragem em 2012 e 2016, mostra seu olhar apurado para a realidade agora aplicado à animação.
Sem os recursos literais do texto e do diálogo, o filme utiliza personagens expressivos modelados e animados em 3D para contar a história que se passa no Paquistão, em 1970. Cores vibrantes e detalhes culturais paquistaneses são trazidos com imensa propriedade por Sharmeen e pela equipe da Waadi Animations. Aliás, a Waadi Animations foi a responsável por produzir o primeiro longa paquistanês em animação, no ano de 2015 (assista ao trailer do longa “3 Bahadur “).
A beleza pueril da história vai num crescente onde conhecemos a jovem Pari e sua típica família paquistanesa. Ela brinca com um avião e sonha em pilotar aviões de verdade. Até que seu pai traz a notícia de que o dia do seu casamento chegou. Um casamento arranjado. A mãe entende que não é o que Pari queria, mas é assim que funciona. O ritual da pintura da mão de Pari pela mãe mostra aos personagens e a nós mesmos que ela não é mais uma menina, agora é uma noiva. Um salto, um pular de fases, uma interrupção de sonhos… Uma história onde não há um vilão a não ser a própria cultura sem uma necessária reavaliação. É assim no Paquistão em 1970. E ainda é assim, e às vezes de maneira ainda mais violenta, em muitos outros lugares do mundo.
Sharmeen traz uma história universal, atual e com um recado extremamente importante: olhar para as mulheres com respeito, dignidade e justiça, desde a infância. O curta foi produzido no Paquistão com equipe paquistanesa de ilustradores, animadores e produtores. Isso mostra a força da animação que é feita em todo lugar do mundo, fora dos eixos privilegiados ou mais desenvolvidos economicamente (veja o Making Of). Esse por si só já é um desafio digno de louvor, mas Sitara é mais do que isso. Sitara é uma comprovação que podemos dizer muito sem nenhuma palavra.