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X-Men ’97: mutante e orgulhoso

Qualidade de roteiro e animação tornam a nova aventura dos X-Men um produto irresistível e necessário

Pode parecer um exagero cravar que X-Men ’97 trouxe de volta a empolgação pelo universo dos super-heróis após um longo e tenebroso inverno. Claro que a comoção que tomou conta das redes sociais semanalmente serve como um atestado dessa afirmação. Porém, essa nunca foi a missão oficial da produção do Disney+. O que percebemos após o episódio final da temporada é algo que ficou esquecido em algum lugar ao longo da última década: uma história bem contada sempre irá se destacar. E os mutantes sempre foram responsáveis por entregar boas histórias ao público. X-Men ’97 sabiamente se utiliza disso e abraça a modernidade de um mundo tomado pelos animes para agradar a nova geração e fisgar também os antigos fãs.

No entanto, para que a nova animação dos X-Men funcionasse, era necessário abrir mão de alguns vícios que outras adaptações, especialmente para o cinema, ditaram no decorrer dos anos. Por exemplo, tirar o protagonismo do Wolverine e trabalhar melhor com os demais membros da equipe. Consciente da estrutura limitada de uma série animada, o criador Beau DeMayo investe pesado no drama para entregar uma típica novela do horário nobre. Quer algo mais engajante do que toda o odisseia familiar entre Ciclope, Madelyne Pryor, Jean Grey e Cable? Ou ainda o triângulo amoroso entre Vampira, Gambit e Magneto. Ao desenvolver os conflitos dos personagens para além das tramas semanais, o texto de DeMayo ganha muito mais profundidade e estabelece uma conexão emocional com o espectador.

Isso garante que mesmo os episódios menos inspirados, afinal nada é totalmente perfeito, não afastem o público e mantenham as expectativas elevadas para os próximos passos da trama. Novamente o equilíbrio entre texto e animação é primordial para o sucesso de X-Men ’97, com cenas marcantes de embates ideológicos e momentos empolgantes de ação. Com o fã na palma da mão, a série não tem vergonha de apelar para o sentimentalismo e o senso de perigo. É de certa forma revigorante imaginar que os personagens nunca estão totalmente seguros. O que já é intrínseco aos mutantes desde as primeiras histórias. Por falar nisso, merece destaque a maneira como o roteiro trabalha com sagas marcantes dos quadrinhos para além de meras adaptações, com um necessário toque de modernidade.

Mas é no campo político que Beau DeMayo extrai o melhor de X-Men ’97. Afinal, é impossível desvencilhar os mutantes das questões que permeiam a sociedade. Supremacia branca, racismo, sexualidade, aceitar o que é diferente dos padrões estabelecidos. Tudo isso é debatido nos mais diversos níveis. Como por exemplo o medo do Mancha Solar em revelar a verdade para a família e o comportamento das pessoas quando isso ocorre. Pode parecer datado e repetitivo, mas basta uma rápida busca nas mídias sociais para perceber que esse tipo de assunto nunca perde a relevância.

Chegamos então ao histórico embate entre Charles Xavier e Magneto. Depois de tantas versões em diferentes mídias, a animação consegue manter esse clássico conflito ainda relevante. Especialmente pela maneira como o vilão – para alguns um salvador – é trabalhado por toda a temporada. “Magneto está certo” era a frase que mais surgia nos comentários da internet. Novamente é um mérito do texto que guia o personagem pelas mais variadas nuances de sua ideologia. Já Xavier, de fora dos principais acontecimentos da temporada, é um coadjuvante que surge para equilibrar a balança argumentativa. As cenas protagonizadas pela dupla no último episódio estão entre os pontos altos da temporada.

Infelizmente, a principal ameaça da trama não funciona tão bem assim. Bastion pode representar um obstáculo físico e ameaçador para os heróis, mas seu desenvolvimento acaba sacrificado diante de todos os pontos que mencionei mais acima. Por mais que não fosse essa a ideia principal, o vilão soa mais como um chefe de fase que muda de forma sempre que é derrotado. E sim, ele causou dor e desespero aos X-Men, mas a curta duração dos episódios impediu que o responsável pelo massacre de Genosha ganhasse um maior aprofundamento. Embora seus momentos de discurso mereçam destaque.

No fim, X-Men ’97 entende o que forma uma boa história de super-heróis e entrega ao público tanto o que ele queria ver quanto  o que ele precisava consumir. Mantendo os discursos e dramas dos mutantes mais atuais do que nunca, a animação vai muito além do que qualquer roteirista ou executivo poderia imaginar. Se o mundo parecia disposto a abrir mão das adaptações de quadrinhos, agora parece existir novamente um fio de esperança. Vejamos se isso servirá para o bem ou para o mal.