A ideia de expandir o universo do Homem-Aranha nos cinemas não é algo recente. A Sony, detentora dos direitos do personagem Marvel nas telonas, sinalizava tomar esse caminho desde os tempos de Marc Webb à frente da franquia, quando Andrew Garfield vivia o cabeça de teia. Não é para menos: campeão de venda nos quadrinhos, o herói possui um leque muito vasto de figuras importantes em seus arcos, sejam eles vilões, anti-heróis ou coadjuvantes. O mais famoso deles é Venom, criado nos traços de Todd McFarlane em 1988.
A proposta aqui é trazer Eddie Brock, um repórter famoso por seu viés independente e confrontativo, sem medo de enfrentar os poderosos que denuncia. Seu desejo por justiça também acaba se tornando sua ruína, e ele se vê sem emprego e sem a esposa após uma reportagem mal conduzida. Até que numa ação desesperada acaba entrando em contato com um simbionte alienígena, para o qual ele terá que servir como hospedeiro.
Tom Hardy acabou não se encaixando bem no papel. O texto do filme não permite que o ator mostre sua qualidade cênica, ao mesmo tempo que força um loser difícil de convencer o espectador. O tempo de humor fica desajustado na maioria das vezes, e é difícil saber, no final das contas, quem se saiu pior: Hardy ou os roteiristas. Há pelo menos seis nomes envolvidos no roteiro de Venom, mas fica claro que as revisões não acabaram dando uma personalidade coesa para o longa.
Isso é refletido em cenas que tentam emplacar uma piada sagaz, no melhor estilo Marvel Studios, mas sem o feeling que consagrou as produções de Kevin Feige e cia. Há ainda a tentativa de entregar algo sombrio, beirando o terror sci-fi. Mas ambas as tentativas são anuladas pela série de defeitos apresentados. O próprio Venom é muito exposto para surpreender qualquer um, e os efeitos especiais de péssima qualidade impedem o fascínio com o visual da criatura.
O desperdício de coisas positivas começa com Michelle Williams. Uma atriz desse porte ganhar um papel tão protocolar é algo a ser lamentado. Há também ideias interessantes como o conceito do simbionte em busca de hospedeiros, algo parecido com a mitologia do Alien de Ridley Scott (e referência direta a E.T.), mas tudo no campo das ideias apenas. Como já era esperado, não há ligação com o universo da Marvel Studios, mas pode esperar participações especiais.
Por não ser um personagem tão importante assim nos quadrinhos, pode ser que você consiga desligar alguns filtros e curtir o longa por três motivos. O primeiro é a farofa assumida, ou seja, quando rola algo tosco mas gostamos mesmo assim. Outro motivo é por alguns pequenos acertos que tornam a experiência mais engraçada, como as interações entre Eddie e seu alter ego. Por último, há passagens completamente desnecessárias que podem divertir pelo simples fato de existirem, e o nerd adora rir da desgraça alheia. Agora, se você for um fã do Venom nas páginas da Marvel Comics, é provável que não goste muito.
Já o fã de cinema vai torcer o nariz para a construção de situações, como a amizade entre simbionte e hospedeiro, assim como as motivações de ambos para “salvar o mundo”. O antagonista também entra nesse balaio negativo, sendo, além de fraco no visual (já falei que o CGI é ruim?), algo totalmente previsível. A ação está bastante presente também e, apesar de algumas ideias interessantes, na maioria das cenas é difícil distinguir bem o que está acontecendo (lembra Transformers!).
Vale a pena assistir Venom? Claro! Uma farofa às vezes cai bem numa divertida tarde com os amigos. Só não espere algo muito coerente. No final das contas, é ótimo que a Sony finalmente tenha lançado este filme para que assim parem as boatarias de antigamente, como se o simples fato de trazer um personagem famoso seja garantia de sucesso. Qualquer proposta pode ser levada ao cinema, desde que bem adaptada através de uma produção competente. Infelizmente, esse não é o caso, o que também é uma pena pois mais uma chance é desperdiçada no sentido de oferecer um produto destoante em relação aos “filmes de herói” que vêm sendo produzidos.
Fica a dúvida de como a Sony irá se comportar agora em relação aos outros projetos no universo do Homem-Aranha. Porque mesmo que a bilheteria dê um retorno satisfatório, esse nível de qualidade não irá se sustentar por muito tempo.