Em meio ao anúncio de que a HBO Max prepara uma nova adaptação de V de Vingança, é impossível não revisitar o longa de 2006 dirigido por James McTeigue e escrito por Lilly e Lana Wachowski. Lançado em um período de intensos debates políticos e sociais, o filme se tornou uma das obras mais provocativas do cinema baseado em quadrinhos, abordando o poder das ideias diante da tirania. Confira a crítica do filme:
V de Vingança e um mundo dominado pelo medo
Ambientado em uma Grã-Bretanha futurista, o enredo de V de Vingança apresenta um país controlado pelo regime totalitário do Partido Norsefire, liderado pelo chanceler Adam Sutler (John Hurt). O Estado se apoia em vigilância constante, censura e manipulação midiática para manter o poder. Nesse cenário surge V (Hugo Weaving), um mascarado inspirado em Guy Fawkes que inicia uma cruzada contra o governo. Após salvar Evey Hammond (Natalie Portman) de uma tentativa de estupro cometida pela polícia, ele a envolve em seu plano de derrubar o regime.
O filme acompanha um ano dessa revolta, culminando no 5 de novembro, data histórica que remete à Conspiração da Pólvora de 1605. É nesse ponto que a famosa frase de V ganha força simbólica: “As pessoas não devem temer seus governos; os governos devem temer seu povo.”
Da graphic novel às telas
Baseado na graphic novel criada por Alan Moore e David Lloyd nos anos 1980, V de Vingança passou por transformações significativas ao ser adaptado. As Wachowski condensaram arcos narrativos e alteraram personagens para adequar a história à linguagem cinematográfica. Gordon, vivido por Stephen Fry, por exemplo, deixa de ser um simples homem que acolhe Evey e se torna um apresentador de TV que esconde sua homossexualidade em meio à perseguição do regime.
Essas mudanças, embora funcionais para a narrativa, reduziram parte da ambiguidade moral presente na obra original. Moore sempre concebeu V como uma figura anarquista de intenções questionáveis — um herói e um terrorista ao mesmo tempo. No filme, entretanto, ele é retratado com traços mais romantizados, o que suaviza o debate ético e torna a luta entre V e o governo uma oposição mais clara entre bem e mal.

A relação entre V e Evey
Um dos elementos mais controversos do longa é o sequestro e a tortura de Evey por V, que se disfarça de agente do governo para libertá-la do medo. Essa passagem divide opiniões até hoje: enquanto parte do público vê o episódio como essencial para a transformação da personagem, outros o interpretam como um caso de manipulação emocional semelhante à síndrome de Estocolmo. Apesar disso, o arco de Evey é central para a mensagem do filme — ela representa o despertar do cidadão comum diante da opressão.
Elenco e direção
Hugo Weaving entrega uma atuação marcante mesmo sem exibir o rosto, utilizando voz e gestos para dar humanidade à máscara fixa de Guy Fawkes. Stephen Rea, como o inspetor Finch, encarna o dilema de quem começa a duvidar do próprio governo. Já Natalie Portman transmite vulnerabilidade e força, ainda que sua personagem careça de maior protagonismo.
James McTeigue, em sua estreia na direção, cria uma estética que mistura o retrofuturismo da Londres distópica com uma atmosfera quase teatral. As sequências de ação são coreografadas com precisão, especialmente as cenas em que V usa adagas contra os “Homens-Dedo” da polícia fascista. O resultado é um filme visualmente impactante, que se equilibra entre o espetáculo e a reflexão política.

Crítica de V de Vingança
O impacto e o legado
Mesmo rejeitado por Alan Moore, que se recusou a ser creditado, V de Vingança se consolidou como uma das adaptações de quadrinhos mais discutidas das últimas décadas. O longa segue relevante ao retratar temas como manipulação da mídia, censura e o uso do medo como ferramenta de controle social — questões que continuam atuais quase vinte anos após o lançamento.
A imagem da máscara de Guy Fawkes, popularizada pelo filme, transcendeu o cinema e se tornou símbolo de protestos em diferentes partes do mundo. Essa permanência cultural reforça a força de V de Vingança: uma história sobre o poder das ideias e a necessidade de resistir à opressão, mesmo quando a esperança parece impossível.
Com a nova série anunciada pela HBO Max, a discussão sobre o que significa lutar por liberdade certamente ganhará novo fôlego — e o filme de 2006 continua sendo o ponto de partida essencial para compreender o legado desse ícone do anarquismo moderno.