cena da comédia romântica Mais Que Amigos cena da comédia romântica Mais Que Amigos

Uma súplica por mais comédias românticas LGBTQIAP+

Nem em seus sonhos mais sombrios Nicholas Sparks imaginaria transcrever para o papel a tragédia grega que é a vida de um gay, ou lésbica, ou trans, ou bissexual, ou queer, no geral. A lacuna que preenche o mercado de comédias românticas que tratam da comunidade queer, em 95% das vezes, é limitada ou superficial demais. A delicadeza de manusear toda produção sem ser afetado pelo ânsia do estereótipo não foi feita para todos (e não deveria mesmo). E é neste limbo que Mais Que Amigos (Bros) se deixa afetar.

A comédia romântica começa com uma proposta que, aparentemente, parece simples: dois homens cis gays se conhecem e desenvolvem uma certa relação com o tempo. Para além da ponta do iceberg, a trama não trata aqui do começo do processo de descoberta e aceitação. Pelo contrário, há o que costumamos chamar de acúmulo de experiência de vida. Não são apenas dois gays novos, mas sim dois indivíduos que já passaram pelo grosso do processo e são frutos de seus sonhos e suas frustrações.

O lado menos colorido do arco-íris

Primeiramente, é evidente que alguns pontos falham com a trama. É preciso sempre cair no estereótipo quando o assunto é a comunidade LGBTQIAP+? Durante o desenrolar, o tom sexual, que por anos perseguiu a comunidade no pior dos estereótipos de saúde, alça voos para alcançar uma nova proposta. Assim, é nesse gancho de identificação que a produção tenta captar a atenção do espectador.

Mesmo que faça parte da trajetória de nossos dois heróis, alguns clichês relacionados à comunidade gay chegam a ser doentios. Na forma que é apresentado, a personalidade dos personagens é sempre tendenciada para o lado negativo. Dessa forma, há sempre um problema, não há sequer um herói ou alguém que pareça mais equilibrado que possa salvar o destino da história.

Nesse mesmo sentido, não é apenas o relacionamento que vira um problema, mas a falta de apoio familiar. Sabemos que é sempre uma luta, é sempre um esforço por conta própria e é sempre uma frustração rotineira, mas não precisa ser. De algum modo, Mais que amigos tenta estender a mão da comunidade para um pódio de esperança ao lado de Madonna, mas prega os sapatos de todos no chão para que não possam sair dali.

Porém, vamos tentar pelo método de comparação. O quão reais são as comédias românticas de casais cis heteroafetivos? Não faltam exemplos para demonstrar que, ao longo do tempo, essa sólida estrutura poucas vezes foi quebrada por Hollywood, e que a grande parte dos filmes envolvendo personagens gays foram ovacionadas diante de um cenário trágico. Logo, vemos que há uma resistência grande (até demais) ao desenvolvimento do casal da trama.

Mas, este lado mais sombrio é só um prisma duro de ver a tudo…

We will survive!

Embora as arestas mais apertadas de Mais que amigos deem uma falta de refinamento em alguns pontos, a  maioria dessa deliciosa água com açúcar é obrigatória. Ao mesmo tempo que o filme peca nos estereótipos, ele tenta controlá-los e trazer tudo para um limbo de uma perspectiva de vida da própria comunidade.

Em um primeiro momento, a atenção aos detalhes do relacionamento, dos receios, da ambição e das fraquezas de cada um dos personagens fica bem exposto na transição de cenas. Realmente não é fácil conhecer alguém, mas, principalmente, não é fácil conhecer alguém quando seu passado foi terrível, sua família mal te aceita de verdade e você precisa passar a ser outra pessoa para apenas impressionar e não cair em um estigma machista.

Além da trama do relacionamento, a personalidade marcante também representa. Há jeitos e diferentes tipos em meio a uma comunidade que lida com a mesma lgbtfobia de sempre. E todas essas visões estão ali, naquele núcleo, desenvolvendo uma história não convencional, não idealizada e nem esperada.

Por consequência, rola a identificação nos pontos em que a história traz seu lado pé no chão: família, amigos, flerte, pegação, namoro e vida profissional. O fardo de ter que ser perfeito em tudo, coisa que sua vida não foi ao longo de muitos anos, acompanha e pinta parte de sua trajetória, já que somos educados vendo que o lado heteronormativo sempre é o ideal.

Outro ponto necessário é a fixação de críticas que o filme faz ao longo do seu desenrolar. Brokeback Mountain, Moonlight, Boy Erased e Clube de compras Dallas são alvos utilizados que, não pela sua qualidade (impecáveis, por sinal), tomam mira principal dos deboches e das ironias. Não é preciso ser sempre triste, até porque nós gays queremos, no fins das contas, uma vida normal e com um “final feliz”.

Don’t be a drag, just be a queen

Em última instância, é ótimo ver que o filme não é composto apenas por gays cis brancos que entram em um padrão determinado. Para além desse ponto, há a presença marcantes de lésbicas, transexuais e bissexuais compondo a trama. Meu único apelo fica para a participação e o desenvolvimento desses personagens que chega a ser rala durante o filme.

Ademais, a trama enfatiza a ação da comunidade como um todo. As ações do protagonista como um guia do próprio grupo, na sua vida profissional e sua participação na sociedade deixam claro que ali há uma luta e um esforço para fazer a diferença. Essas ações repercutem e viram debates necessários entre aqueles que estão a sua volta e que são compartilhados com o público.

Assim, entre referências e ironias, relacionamentos e desafetos, caos e rotina, Mais que amigos (Bros) se tornam um água com açúcar necessário. Mais do que isso, é uma água com açúcar e mais algumas vitaminas para qualquer membro da comunidade. Na onda de produções queers pela Netflix ou outras produtoras, ser presença em outro ponto de vista da comunidade é mais do que necessário.

Não queremos apenas tristeza. Sabemos que é uma luta, já que lutamos todos os dias. Mas não deveria ser sempre uma luta, já que vivemos momentos bons em meio ao caos que tentamos organizar. Sabemos que é difícil, porém, queremos ver que pode ser fácil… fácil que nem em A Proposta, onde Ryan Reynolds e Sandra Bullock encenaram minha comédia romântica favorita.

Mais que amigos (Bros) é para você hétero, você queer, você que tem um amigo gay, você que não entende e você que entende tudo.