Química é vida. E assim como as eternas reações e interações entre átomos e moléculas, estamos em constante movimento. É impossível prever os caminhos que iremos seguir e muito menos as adversidades que precisaremos enfrentar. Pode parecer clichê pensar assim, mas ter noção disso é essencial para não desistir da jornada. Esse início de texto tão alto astral é um reflexo da sensação boa causada por Uma Questão de Química, nova série do Apple TV+. Uma grata surpresa na reta final de 2023 que mescla humor, drama, romance e o estilo “good vibes” que sempre cai bem após um dia cansativo. Pena que isso também é o motivo da série derrapar em alguns momentos.
Baseada no livro de Bonnie Garmus, Uma Questão de Química conta a história de Elizabeth Zott (Brie Larson), uma brilhante química que precisa enfrentar o machismo e o preconceito dos anos 1950-1960 dos EUA. Subestimada por seus companheiros, ela ganha uma nova perspectiva quando conhece o igualmente brilhante Calvin Evans (Lewis Pullman). Porém, uma tragédia irá mudar os rumos de sua vida para sempre. A série não esconde que em algum momento Elizabeth irá se tornar uma estrela da TV com seu programa de culinária. O que os oitos episódios fazem é um estudo de sua vida passando por traumas, ressentimentos, dúvidas e alegrias. Tudo gira em torno da protagonista e não sobra muito espaço para que outros personagens possam se destacar.
O showrunner Lee Eisenberg faz com que os coadjuvantes orbitem ao redor de Elizabeth, dando a eles alguns poucos momentos de brilho. O melhor exemplo está em Harriet Sloane (muito bem interpretada por Aja Naomi King), que funciona como amiga e conselheira de Zott. Porém, sua luta como uma mulher negra num período extremamente racista surge apenas em momentos oportunos, com a melhor cena de diálogo entre as duas mulheres fortes servindo mais como uma plataforma para o crescimento da protagonista. Uma Questão de Química nunca se aprofunda em seus debates sociais, tocando apenas a superfície de temas já citados, como machismo e racismo. De toda forma, o espectador encontrará um recorte acessível de um período histórico bastante conturbado e que vale a pena uma pesquisa posterior.
É preciso destacar a qualidade do design de produção, com cenários e figurinos ricos e coloridos. Desde um pequeno laboratório até uma cozinha em um programa de auditório, tudo parece extremamente real. Com a trilha sonora de Carlos Rafael Rivera e a fotografia de Zack Galler e Jason Oldak, Uma Questão de Química agrada olhos e ouvidos. O capricho técnico parece ser uma característica dos dramas d0 Apple TV+.
Numa trama tão centrada em sua personagem principal, Brie Larson possui talento suficiente para encarar o desafio. Sua aparente inaptidão social é destrinchada em diversas camadas mostradas ao decorrer dos episódios. É fascinante a maneira como sua vertente racional divide espaço com emoções que nunca imaginou sentir, como o amor por sua alma gêmea e por sua filha. Por vezes pode soar irritante, mas o roteiro nunca a torna antipática aos olhos do espectador. Brie navega muito bem entre as nuances de sua personagem, seja como uma cientista brilhante, uma mulher batalhadora, a mãe de primeira viagem e a estrela da TV que inspira outras mulheres.
A química (HAHA) entre Brie e Lewis Pullman resulta em uma história de amor atrapalhada e cativante, com duas almas que vagaram sozinhas por tempo demais finalmente se encontrando. Também ajuda o fato de Lewis ter o mesmo ar apaixonante de seu pai. Destaque para a pequena força da natureza que é Alice Halsey no papel de Madeline Zott, brilhante em todos os momentos em tela.
Mesmo com alguns dramas deslocados da trama principal e a questão dos personagens coadjuvantes, Uma Questão de Química é perfeitamente eficiente em sua proposta. Por muito tempo, o Apple TV+ ficou conhecido como o streaming de Ted Lasso. Mas cada lançamento surge para mostrar que a empresa da maçã está empenhada em entregar qualidade e variedade aos assinantes.