Ava DuVernay entrega uma boa história infanto juvenil em Uma Dobra no Tempo ao apostar no carisma de seu elenco, mas fica devendo na fantasia
“Vejam o filme com os olhos de uma criança de 8 a 12 anos” foi o pedido de Ava DuVernay, diretora de Uma Dobra no Tempo, antes da sessão de cabine de imprensa do filme da Disney, que estreia nos cinemas nacionais hoje. Geralmente, esse tipo de fala passa a impressão de uma justificativa para encobrir defeitos de um projeto que (infelizmente) não atingiu um nível técnico satisfatório.
A trama de Uma Dobra no Tempo segue Meg Murry e seu irmãozinho, Charles Wallace, que ficaram sem o seu pai cientista, o Sr. Murry, há quatro anos, desde que ele descobriu um novo planeta e usou o conceito conhecido como Tesserato para viajar para lá, sendo dado como desaparecido para as pessoas da Terra. Aliadas do colega de classe de Meg, Calvin O’Keefe, e guiado pelos três misteriosos viajantes astrais conhecidos como Sra. Queé, Sra. Quem e Sra. Que, as crianças iniciam uma perigosa jornada para um planeta que possui todo o mal no universo afim de resgatar o cientista.
As expectativas para conferir o resultado de Uma Dobra no Tempo eram altas. Não apenas por se tratar de uma adaptação de uma série literária de sucesso (no caso, a obra homônima de Madeleine L’Engle), onde o mercado está um tanto saturado, mas principalmente pela escolha de Ava DuVernay para comandar o projeto. Seus trabalhos mais recentes, “Selma” (2013) e “A 13ª Emenda” (2016), obras onde ela aborda questões de racismo histórico, estão aí para comprovar sua qualidade como cineasta. Para fins de curiosidade, DuVernay chegou a ser sondada para a adaptação de Pantera Negra da Marvel (que pertence à Disney), filme que tem arrastado multidões para o cinema e que acabou sob o comando de Ryan Coogler.
Obviamente, a conversa muda um pouco quando contemplamos filmes de orçamento acima da casa dos US$ 100 milhões onde a dimensão das coisas são muito maiores, juntamente com as exigências dos executivos. Foram dela algumas posições que beneficiaram o filme, como a escolha da protagonista e a diversidade de etnias nas três entidades astrais que acompanham os jovens na jornada, vividas por Oprah Winfrey, Reese Witherspoon e Mindy Kaling. Infelizmente, é aí que começam os problemas.
As três entidades são o gatilho para toda a fantasia apresentada no filme, mas fica difícil ver uma figura como Oprah no filme e desvincular personagem da celebridade televisiva. Seu figurino e maquiagem também não contribuem para essa tentativa de imersão, parecendo destoar muitas vezes do mundo fantástico retratado no filme. Reese Witherspoon é quem tem maior potencial desperdiçado pela sua interação cômica com a protagonista, algo que poderia ter sido mais aprofundado, mas funciona bem no filme. Já Mindy Kaling entrega uma personagem interessante, mas que no final das contas se resume a citações de frases de efeito em momentos oportunos.
Liderado por Storm Reid (que dá vida à protagonista Meg), o maior acerto do filme é, sem sombra de dúvidas, seu elenco. A jovem atriz possui carisma e bastante presença para entregar uma pré-adolescente com muitas emoções internalizadas, e isso é mais difícil do que parece pois não é possível lançar mão de elementos visuais, como gritos e choros, o tempo todo na atuação. Charles Wallace (Deric McCabe) também está muito bem e oferece ao espectador alguns dos momentos mais importantes do filme (além de um divertido alívio cômico). Fechando o trio infantil, Calvin (Levi Miller) sofreu um pouco mais com o roteiro, onde suas motivações não convencem tanto. Sabemos dos problemas do garoto com o pai, mas a coisa não é muito desenvolvida a partir daí. Além deles, Chris Pine faz valer seu carisma como pai das crianças, mas nada que exija demais.
Ava DuVernay ficou devendo. É bem fácil se emocionar com o filme, porém, como obra de fantasia faltou consistência principalmente na resolução desse mundo fantástico, juntamente com a implementação dos conceitos. Certas histórias funcionam muito melhor nas páginas dos livros.