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Um lugar bem longe daqui

Um lugar bem longe daqui é a adaptação cinematográfica do livro de mesmo nome da autora Delia Owens, e, como toda adaptação literária no cinema, eu tenho mil pés atrás. Sabemos que costumam dar bem erradas, e raramente temos um Jogos Vorazes – que, ouso dizer, deu até uma melhorada na narrativa. Porém, surpreendentemente, Um Lugar Bem Longe Daqui segue um ritmo próprio, lento, bem desenvolvido e que conta muito com a atuação e o carisma da atriz Daisy Edgar-Jones. E acerta nessa aposta.

Kya viveu a vida toda no brejo, na cidade de Barkley Cove, isolada da sociedade que a despreza e a condena como “a garota do brejo”, criando uma aura de misticismo fantasioso em torno dela, tendo que aprender a se virar sozinha. Para a protagonista, o brejo é o seu lar. Fora dali, apenas um simpático casal, dono de uma lojinha em frente ao cais, a acolhem e dão o suporte que podem dar. Mas me adianto, pois o filme inicia com a descoberta do corpo de um rapaz no brejo e a prisão de Kya, a principal e única suspeita do crime – se é que é um crime, pois há uma dúvida pairando: foi assassinato ou não? Ainda sem saber a resposta, a cidade já a condena, mas o simpático senhorzinho Milton, um aposentado e muito bom advogado, resolve ajudá-la. E assim mergulhamos na mesma dúvida, sendo necessário que costuremos os pedaços das respostas aos poucos, à medida em que vão aparecendo.

A história transita entre o passado e o presente, contando desde o início da vida de Kya, criando o contexto necessário para entendermos o que se passa na trama principal: a acusação de assassinato e o seu julgamento. O filme segue uma fórmula um pouco peculiar de suspense, e os dois gêneros trabalham nessas idas e voltas, onde o suspense fica para o presente e o drama, para o passado. Ambos muito bem desenvolvidos aqui.

Um Lugar Bem Longe Daqui,

Como dito no começo, o filme conta muito com a protagonista para segurar o clima, o interesse do público, e a atuação de Daisy Edgar-Jones traz o elemento necessário para dar vida à personagem, evitando um ar de coitadismo de garota branca abandonada, dando luz aos olhos inteligentes e observadores de Kya, sua inocência – sem ser trouxa -, a coragem que exibe em cada movimento corporal, entre outras característimas marcantes da personagem.

Claro, o resto do elenco consegue transmitir muito bem o que é necessário para cada personagem, nos fisgando para dentro da narrativa em um clima que vai de gostosinho para alarmante em questão de segundos, em momentos que não esperamos. Inclusive, o filme deveria trazer avisos de gatilho para cenas de violência doméstica e estupro. Pode não parecer grande coisa, mas eu preferia não ter sido pega de surpresa em questões tão pesadas para o público feminino.

Temos todos os personagens odiáveis e adoráveis. O boyzinho que é o par romântico que parte o coração de Key, o boyzinho padrão riquinho branco que se aproveita que o outro abandonou ela pra dar em cima, o simpático casal de lojistas que servem como figuras materna e paterna para a protagonista, a garota mimada e riquinha que quer o boyzinho mimado e riquinho, entre outros clichês que funcionam perfeitamente bem à narrativa, sem bater muito nas teclas dos estereótipos.

A direção de fotografia é um suporte excelente para o filme, enchendo nossos olhos com as paisagens naturais do local em planos abertos, bem iluminados, sempre destacando a beleza do lugar e seus segredos. As cenas na cidade não possuem muito desse destaque, ali os momentos são mais curtos. As pessoas que ali vivem são hostis à Kya, o que traz o levantamento da questão sobre quem realmente deveria ser isolado e ignorado pelo mundo.

A trilha sonora, pra mim, foi esquecível, mas ela serve ao seu propósito, complementando bem cada momento.

A trama não é complexa, na verdade, ela é até bem simples, contada de uma forma direta e limpa. O ritmo pode seguir de forma devagar demais para algumas pessoas, entretanto, pra mim, eu senti que foi o tempo que ele precisava para conseguir contar direitinho a história, construir o suspense em volta da trama, sem seguir aquela dieta corrida que essas adaptações de livro normalmente têm.

Um Lugar Bem Longe Daqui parece ser uma boa adaptação literária, não posso confirmar pois não li o livro, mas isso eu posso dizer: com certeza é um bom filme.