Mesclando elementos de Lovecraft, Allan Poe, dentre outros autores, ambientando-os seja na Grécia Antiga ou em Porto Alegre, Duda Falcão consegue trazer o horror pulp à tona em Treze, o segundo de sua trilogia de livros de contos do gênero pela AVEC Editora
Lançado em 2015, Treze é o segundo volume de uma trilogia de livros de contos de terror escritos pelo porto-alegrense Duda Falcão, antecedido por Mausoléu (2013) e sucedido por Comboio dos Espectros (2017). Publicado numa parceria entre as editoras AVEC e Argonautas, este tomo já agrada aos fãs do gênero na primeira folheada seja devido ao acabamento com detalhes interessantes como uma aranha na extremidade direita das páginas que tece sua teia a medida em que progredimos na leitura do livro, seja pelas ilustrações que remetem diretamente aos grandes mestres do horror ou contos clássicos do gênero.
O termo pulp remete à literatura proveniente de revistas produzidas com papel barato à partir do início do século XX nos EUA. Nestas publicações os gêneros de ficção científica e horror predominavam e faziam muito sucesso. Histórias relativamente curtas, dos mais variados temas, com desfechos surpreendentes e impressionantes eram as que mais cativavam o leitor aficionado. Em Treze, Duda Falcão consegue evocar muito bem esse estilo, o que já se começa a perceber pelos títulos intrigantes de alguns dos 13 contos do livro como: Almas roubadas, Abismos insondáveis, Senhora do Fosso, O Vampiro Cristão, Os Bonecos de Rita, Devoradores de Narrativas, entre outros.
Assim como em Mausoléu, logo nas primeiras páginas quem nos recebe é o Anfitrião, personagem morto-vivo que nos apresenta ao universo de Duda Falcão, lembrando muito o “Guardião da Cripta” de Contos da Cripta, série de HQs também enraizada na cultura pulp. Se com essa recepção o fã de horror ainda não se sentiu “em casa”, ele se sentirá ao perceber as inúmeras referências presentes nas narrativas que se seguem. Já no primeiro conto, Eadgar e o resgate de Lenora, Duda Falcão nos surpreende com uma trama épica ambientada na Grécia Antiga, que remete diretamente a Conan (personagem oriundo da cultura pulp), mesclada a elementos da literatura de Edgar Allan Poe. O autor, que é graduado em História, consegue ambientar seus contos de forma extremamente crível e consistente, sendo eficaz em transportar o leitor para seja qual for a época ou local que a trama se passa. Isto é evidenciado também pelo segundo conto, Sob os auspícios do corvo, um faroeste permeado de elementos sobrenaturais.
Outro aspecto a ser ressaltado na obra de Duda Falcão é o regionalismo. A literatura de horror nacional infelizmente ainda é muito pouco consumida pelos próprios fãs brasileiros do gênero, mas por mais que se consuma literatura estrangeira, o deleite de se ler uma história que traz monstros obscuros e seres ancestrais para um cenário brasileiro é algo primoroso. Em Abismos insondáveis, quinto conto do livro, acompanhamos uma curiosa trama investigativa cercada de mitologia lovecraftiana que se passa nas cidades de Porto Alegre e Torres, no Rio Grande do Sul, com menção a alguns pontos turísticos locais. Porto Alegre também serve de ambientação para outros contos, trazendo ainda o sotaque e expressões dos porto-alegrenses até o leitor. O leitor que não for um habitante da cidade, facilmente se sentirá como um visitante local.
Além dos contos mencionados, vale destacar Os desejos de Morris, uma releitura do clássico “A pata do macaco” de W. W. Jacobs, e A turma de biologia, onde jovens universitários estão no local errado e na hora errada, numa trama que evoca o famigerado Herbert West–Reanimator de H. P. Lovecraft. Em meio a tantas referências, as histórias conseguem ainda surpreender pelo modo em que os elementos se encaixam ao longo das narrativas, e principalmente pelo desfecho inusitado que elas nos levam em boa parte das vezes.
Com seres ancestrais, vampiros, corvos amaldiçoados, lobisomens e mortos vivos, trafegando por mundos submarinos, desertos, templos gregos, ou até mesmo pelo subúrbio de Porto Alegre, Treze dificilmente irá desagradar ao fã de horror. Por mais que alguns contos não sejam tão empolgantes quanto outros, o tema ou o desfecho do conto seguinte é sempre inesperado. Mesmo que a trama caminhe de forma previsível em alguns casos, o modo como os elementos de diferentes universos literários se encaixam é extremamente intrigante. Este aspecto associado a diversidade de temas e estruturas narrativas presentes em Treze, faz com que a leitura seja leve, fluida e divertida. Os fãs de horror mais experientes se sentirão contemplados ao perceber as inúmeras referências a cada história e os menos experientes serão apresentados de forma indireta a diversos universos literários, cunhados por grandes mestres do horror mundial, mas que se mesclam de modo formidável nesta obra de Duda Falcão.