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Trem-Bala

E se John Wick, Luis Fernando Veríssimo e Mr. Magoo estivessem a 80km/h e colidissem, gerando uma obra cinematográfica? Então, acredito que o mais perto que teríamos disso é o novo lançamento de ação do diretor David Leitch. Com elenco de peso, temos uma história com premissa bem simples mas extremamente bem executada e com uma progressão que prende a atenção do espectador de forma que nem se nota o tempo passar. Leitch já é conhecido por seus trabalhos como produtor de John Wick, além de ter dirigido os excelentes Atômica e Deadpool 2. Em Trem-Bala vemos um trabalho que pode se dizer bem mais autêntico dentro dessa linha de filmes de ação, que é a veia do diretor, mas bem mais enviesada para o humor e se aliando a uma montagem mais dinâmica do que a de costume e, narrativamente falando, menos engessada.

Brad Pitt interpreta Ladybug, um assassino que tem um azar gigantesco e que está a caminho de sua volta as missões, foi encarregado por Maria Beetle (Sandra Bullock), e o que aparentemente era uma tarefa simples, pegar uma maleta dentro de um trem-bala em Tóquio e sair dele sem ser notado, vira uma deliciosa história de violência e humor. É interessante observar como a questão de sorte versus azar é um signo presente no filme, tanto de forma direta quanto indireta, as situações acabam que por sempre circundar esse mantra dentro da história. O roteiro e a narrativa andam de mãos dadas em Trem-Bala, no qual temos uma progressão de eventos que a cada vez ficam mais misturados entre si e de uma forma muito orgânica. Acima eu brinquei com Luis Fernando Veríssimo, famoso cronista brasileiro que escrevia de forma humorada situações do cotidiano, mas foi isso o que piscou na minha mente logo quando comecei a entender como o filme queria contar aquela história. São vãrios núcleos diferentes, limitados dentro de um pequeno espaço, o trem-bala, então começamos a conhecer todos os núcleos através de pequenas crônicas de suas histórias, o suficiente para entendermos as motivações de cada um deles e quem são.

E pra contar com agilidade sobre seus personagens, David Leitch opta por uma solução interessante e que funciona muito, que é transformar seus personagens em caricaturas, dando assim um maior brilho pra parte relativa a humor do filme. Em fato, os personagens são a melhor coisa do filme, e pra que se tenha uma ideia, Ladybug nem é o mais interessante deles, embora seja um ótimo protagonista. Ainda falando sobre signos, a construção dessas personas impunha também alguns próprios, como, por exemplo, os adesivos de Thomas e seus Amigos que Lemon (Brian Tyree Henry) carrega para caracterizar cada tipo de pessoa e sua principal característica, ou Kimura (Andrew Koji) que carrega o fardo de estar desonrado por não ter protegido o filho, ou The Prince (Joey King), que precisa se vingar, e por aí vai. É curioso observar como a direção subverte esses pequenos aspectos em personalidades carismáticas. No que diz respeito à ação, não há do que reclamar. Os espaços são muito bem explorados, os cortes na edição são feitos com motivações e não para disfarçar uma coreografia malfeita, fora a dinâmica das cenas que são intercaladas com diálogos muito engraçados e, volta e meia, zombando de alguns clichês do gênero de ação.

Visualmente falando, Trem-Bala é bastante chamativo, desde o figurino dos personagens ao desenho de luz usado – este é muito marcante principalmente por ser situado em uma metrópole bastante iluminada. Então vai haver muito neon pintando a cena, muito contra-luz, e é um filme com uma paleta quente, bastante colorido, que só realça a atmosfera de tensão e energética que necessita ter. A trilha sonora meio que se perde durante a projeção. Você sabe que ela tá lá, mas não é tão marcante com um tema ou algo do tipo, mas também não ofende. Acredito que uma das coisas negativas de Trem-Bala é que poderia ter uns 10 minutos a menos de projeção e, algumas vezes, o ritmo instigante do filme é quebrado em função de parar, voltar ao passado para contar algo e voltar. Isso ocorre algumas poucas vezes, mas quando acontece, descompassa a levada da história.

Trem-Bala é um excelente filme de ação, com bastante autenticidade e sem medo de ser exagerado, pegando o clichê e trabalhando pequenas nuances dentro do gênero.