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Till – A Busca por Justiça

Mamie Elizabeth Till-Mobley nasceu em 1921, em Webb, Mississipi – na época, seu sobrenome era apenas Carthan. Sua família conseguiu sair do sul durante a Grande Migração Negra, um movimento no qual, entre 1916 e 1970, 6 milhões de afro-americanos do sul dos Estados Unidos da área rural se mudaram para o norte (de forma resumida), para as áreas urbanas. Mamie era uma ótima estudante, sendo a primeira mulher negra a entrar na lista de honra e a quarta a se graduar na escola comunitária Argo (Argo Community High School). Aos 18 anos, casou-se com Louis Till, que também tinha 18 anos, em 1940 e logo tiveram Emmett, o único filho do casal. Apesar do filme deixar de lado e fazer parecer que Louis era um cara ótimo, a verdade é que esse relacionamento era extremamente abusivo e violento e Mamie precisou de uma ordem de restrição para que ele não chegasse perto, que ele ignorou e um juiz o mandou escolher entre ser preso e ir para o exército. Em 1945, ele foi morto pela sua conduta propositalmente criminosa na Itália.

Mamie ainda chegou a casar-se novamente, dessa vez com “Pink” Bradley, de quem se divorciou dois anos depois. E assim, tornou-se Mamie Elizabeth Till-Bradley, o nome utilizado no filme por se passar bem depois disso.

Então chegamos ao início do filme, em 1955. Nessa época, os Estados Unidos estava dividido entre um lado mais “progressista”, o Norte, e o arcaico, brutal, racista Sul (mudou muita coisa? Não, mas vida que segue). As leis de Jim Crow marcaram essa época, delimitando bem o que era racismo “proibido” e o que era “legalizado”, como, por exemplo, bebedouros para negros e outro para brancos. Se não havia uma placa para negros, então provavelmente era porque não eram bem-vindos.

Emmett, o filho de 14 anos de Till, seu único filho, quer viajar ao Mississipi para visitar seus primos por parte de mãe, porém, Mamie, sabendo como funciona o sul do país, fica apreensiva e não quer deixá-lo ir. É persuadida pela mãe, Alma, pelo noivo, Gene e o próprio filho. Tendo sido criado em Chicago, Bo (o apelido de Emmett) não entendia o racismo daquele lado do país, não entendia de verdade que as regras lá eram outras. Por fim, Till, com muita relutância, concorda que o filho viaje.

E iria se arrepender disso para sempre.

Um pouco antes, uma das primeiras cenas do filme mostra Mamie e Bo em uma loja, onde ela sofre racismo com um vendedor avisando que os sapatos ficavam no porão. Ela não fica por baixo e retruca, se impondo. Seu filho, uma criança inocente e gentil, não percebe. De cara, já é estabelecido o tom do resto da história, no qual a mãe se vê batendo de frente contra a opressão racial e Bo não capta essa violência – mesmo verbal.

No Mississipi, Bo é chamado de garoto da cidade pelos primos, um apelido e uma provocação, pois ele não entende muito bem como funciona o interior. Por exemplo, Bo leva na brincadeira o trabalho de colher algodão que sua família precisa fazer para ter dinheiro, como as pessoas por ali, para conseguirem sobreviver, basicamente precisavam se deitar para a soberania branca – os donos das terras eram brancos, que, piedosamente, deixavam os negros trabalharem ali e, em troca, tinham que lhes dar 50% (no mínimo) da colheia. Com tanta regra nova, Emmett levaria um tempo para entender, porém, acaba cometendo um deslize que, para quem assiste, é bobo, mas, ao mesmo tempo, por conhecermos a História dos EUA, sabemos que foi algo extremamente grave. E isso o leva a ser torturado e morto.

Mamie reage à morte do filho retaliando e expondo ao mundo o que foi feito com seu Bo, sua única criança. Com muita força, e, por sorte, muito apoio de seus pais, seu noivo e as pessoas que conhece, a mulher inicia um caminho de luta em busca de justiça, para que os brancos que assassinaram brutalmente seu filho pagassem. O governo tentou enterrar o menino às pressas, mas Mamie conseguiu que enviassem o corpo de seu filho para Chicago, onde tomou a decisão mais difícil de sua vida: um velório público com o caixão aberto, para que todos pudessem testemunhar e documentar o que haviam feito com o seu Bo de forma legalizada, pois o linchamento contra as pessoas negras não era crime, e os assassinos saíam impunes porque homens brancos não iriam condenar homens brancos “só porque mataram um negro”.

Nas palavras da própria Mamie: “Quero que todos vejam o que fizeram com meu bebê”.

O filme é forte. Doloroso. Desesperador. E muito, mas muito real. Mesmo com todo o enfeite cinematográfico colocado para que pudesse passar nas telonas, a história foi feita para incomodar. Mami chegou para nos obrigar a olhar, mesmo se doer, se nos fizer chorar, se não quisermos, simplesmente porque É NECESSÁRIO que se veja a verdade. Till mostra que fingir que esse tipo de brutalidade só acontece com terceiros é balela, pois o que a afeta como mulher e mãe preta, também afeta outras mães negras. É preciso enfatizar isso: é uma história negra, com pessoas negras, sobre pessoas negras, mas não é uma narrativa somente para pessoas negras, ela é para todos. Till diz: é preciso olhar.

Uma realidade atual demais, pois o racismo ainda vive fortemente impregnado na nossa sociedade, e você pode até dizer para si mesme que no Brasil não tem um “racismo assim”, aqui é “bem mais leve” – como já ouvi muita gente dizendo -, mas é apenas autoenganação. Se prestarmos atenção, se VERMOS, as notícias nos dizem claramente: pessoas negras são criminosas.  Por que uma pessoa negra é traficante e uma branca é uma jovem trabalhadora que acidentalmente cometeu um crime? Por que a polícia “confunde” guarda-chuvas com armas? Por que crianças, dentro das favelas, levam tiro à queima-roupa? Reflitam.

A atuação de Danielle Deadwyler como Mamie é primorosa, acreditamos piamente que Jalyn Hall, o ator que faz Emmett, é realmente seu filho, que a dor que a atriz sente, é real. A direção optou por focar muito em seu rosto, com vários planos fechados, enfocando exclusivamente nas expressões dela, com  um fundo todo borrado, pois nada mais existe além do que Mamie está sentindo. A atriz é tão expressiva que, em um momento chave do filme, conseguimos ver exatamente o instante em que Till muda de ideia sobre algo muito importante. Está estampado no rosto dela. As cenas de quando ela recebe o corpo do filho são poderosas, dolorosas, angustiantes, de tal forma que eu só conseguia chorar e soluçar. É impossível ficar imune às cenas de Mamie.

Para a minha surpresa, Whoopi Goldberg está no filme – nunca mais tinha assistido algo com ela – como a mãe de Mamie, Alma e, sinceramente, ela é tão incrível que mesmo não aparecendo tanto ao longo da trama, sua presença é marcante. Lembramos dela, sabemos que está ali conosco, sentindo a dor de perder alguém tão amado, sentindo-se culpada por ter incentivado o neto a ir ao Sul.

A direção de fotografia fez um trabalho muito bom decidindo focar mais nas pessoas, deixando, muitas vezes, o fundo embaçado, como se nada mais importasse além do que estamos vendo naquele momento: puras emoções, sejam de ódio, de dor, de riso. O foco são as expressões faciais, corporais, olhares, sentimentos, o que deixa a trama ainda mais forte, amarrando o que vemos ao que ouvimos e ao que sentimos. É tudo bem homogêneo, de forma que a imersão é certeira. Estamos ali com Mamie e somos Mamie em alguns momentos, não somos simplesmente meros espectadores, pois o filme nos convida a ver tudo pelos olhos dela, uma mãe negra que perdeu o filho. A música, aqui, tem um forte propósito narrativo, se encaixando muito bem quando precisa aparecer, evocando emoção pura.

Por fim, Till – a busca pela justiça é um filme para ser visto. Para incomodar e celebrar essa mulher negra que tanto lutou pelos direitos da população afro-americana. Para quem quiser saber um pouquinho mais sobre a história dela, clica AQUI.

E, um lembrete: não basta não ser racista, é necessário ser antirracista!