“Dog days are not over”
Eu costumo ser bem exigente com o gênero de terror. Enquanto parte da crítica celebrou a recente adaptação de IT – A Coisa (2017) para os cinemas, fui um que torceu o nariz. Isso por que o longa do argentino Andy Muschietti opta por abusar de efeitos visuais – que me tiraram muitas vezes do filme – em detrimento de um terror psicológico num formato, digamos, mais “raiz”. Se você também gosta de um estilo de terror provocativo e visceral, segue no texto que The Third Day, nova minissérie inglesa produzida pela HBO, pode te agradar muito.
Prevista para ser lançada antes da pandemia, a minissérie só agora estreou na TV, tendo seu primeiro episódio exibido na última segunda (14). E olha só, as primeiras impressões são as melhores. Sem dar spoilers, sua trama nos coloca sob o ponto de vista de Sam, interpretado por Jude Law (Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald). O personagem já aparece em meio a um drama não muito bem explicado, sozinho próximo ao carro na estrada tentando resolver um problema com sua esposa ao celular. A tensão da conversa, a trilha sonora carregada e os incômodos ângulos de câmera nada convencionais escolhidos pelo diretor Marc Munden (National Treasure) já sugerem que estamos diante de algo com propósito artesanal de nos incomodar. Não se iluda com “Dog Days are Over”, de Florence and the Machine, tocada em seguida a essa cena. Um distração muito inteligente, por sinal.
Os acontecimentos que se sucedem nos levam a um misterioso povoado em uma ilha na costa britânica que, de carro, só pode ser acessada em determinado período do dia. Isso por que como o lugar é cercado por água, o único acesso é na maré baixa, o que acentua seu caráter mítico. É como se um portal se abrisse para sua entrada.
O primeiro episódio trata de nos introduzir nesse espécie de “universo paralelo” no qual Sam é jogado. As informações dadas pelo roteiro são poucas e a todo momento precisamos acionar nosso faro de detetive para desvendar as pistas e onde viemos parar com o protagonista. Fica evidente que o belo e bucólico lugar (de apenas 93 habitantes, segundo afirma uma moradora) guarda segredos que precisam ser desvendados. E logo ou o preço a pagar pode ser muito alto.
É possível enxergarmos em The Third Day ecos de O Homem de Palha (1973) e obras recentes como Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019), de Ari Aster. Temos revisitado o inquietante choque de culturas, que coloca frente a frente a cultura ocidental diante do que, aparentemente, desenha-se como um confronto com rituais pagãos, evocação de espíritos ancestrais e coisas do tipo – repare no sinal da cruz invertido dado entre dois personagens.
O criador da minissérie Dennis Kelly (Utopia) formatou a empreitada em seis episódios, onde apenas três deles giram em torno do personagem de Law. Os demais terão a atriz Naomie Harris (007: Operação Skyfall) como figura principal, também vivendo uma experiência no tal lugar (a ilha Osea) que provavelmente deve se conectar com os eventos de seu início.
A tentativa de ruptura com obras de terror que orbitam o mainstream fica ainda mais evidente quando descobrimos que a minissérie terá, como uma espécie de ponte entre sua primeira e segunda metade, uma peça de teatro montada para a TV – e transmitida ao vivo pela internet – que acompanhará os eventos decorridos até então. Esse capítulo à parte incluirá a participação do próprio elenco.
Tecnicamente impecável, sem nunca abusar de todo o arsenal técnico à disposição para criar um terror apelativo, a produção da HBO surpreende positivamente em seu início. As jornadas de Sam e Helen (personagem de Harris), se seguirem com a atmosfera do primeiro episódio, prometem ser intensas e memoráveis. Ao que parece, o bom e velho terror ainda vive entre nós.
The Third Day é exibida todas as segundas, às 22h, na HBO. Se você perdeu o primeiro episódio, aproveita que ele tá completo no YouTube. É só dar o play abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=AYLwkGwur-w&feature=emb_title