Dizem que não importa quantas vezes um prato seja preparado, o sabor sempre mudará no fim. Peço perdão pela analogia envolvendo justamente uma série com culinária como pano de fundo, mas isso pode ser aplicado a The Bear. É importante pontuar que a aclamada produção nunca caiu na armadilha de se repetir, experimentando constantemente novos temas e situações. Porém, um gosto amargo acompanha os episódios da terceira temporada. Isso significa que “The Bear” é ruim agora? Nem de longe. Parece mais que os roteiristas não estavam tão inspirados como de costume.
Com o restaurante em pleno funcionamento, a tensão entre a equipe cresce cada vez mais. Carmy (Jeremy Allen White) encontra na obsessão pela perfeição uma forma de lidar com antigos e novos traumas, o que sobrecarrega todos ao seu redor. Syd (Ayo Edebiri) começa a questionar o futuro dessa parceria quando uma proposta tentadora surge, e Richie (Ebon Moss-Bachrach) busca algum tipo de realização pessoal. Após o final explosivo da segunda temporada, o espectador mais faminto esperava que o início do novo ano resolvesse as questões pendentes. Mas não é assim que “The Bear” funciona. Faz sentido que o primeiro episódio seja dedicado ao passado de Carmy, mergulhando em suas experiências em diferentes restaurantes e lidando com diferentes chefs. Conhecemos seus traumas, mas será que sempre foi assim? O ciclo se fecha com Syd provando um prato feito por ele num momento de rebeldia, o que é poético, embora a relação atual entre os dois seja um desastre.
É interessante ver Carmy como uma figura antagônica, fazendo com que sua incapacidade de encarar conflitos arraste o restaurante para uma inevitável espiral de autodestruição. A insana regra de alterar o menu diariamente, buscando uma perfeição inatingível naquele momento, é sua forma de expiar seus pecados, mesmo que isso possa custar todas as suas frágeis relações pessoais. Vale lembrar que ele é o fio condutor da trama desde o primeiro episódio. Mas esse também é um dos problemas da temporada. Carmy parece preso em seu desenvolvimento, vivendo os mesmos dramas constantemente. E Christopher Storer parece mais interessado em trabalhar os coadjuvantes do que o protagonista.
Voltando às analogias, a reforma do restaurante parece refletir o desenvolvimento da própria série. O primeiro ano de “The Bear” era tão sujo e barulhento quanto a cozinha gordurosa da lanchonete, com tudo escalonando para uma busca por um teor artístico mais elaborado. Então, qual o motivo da recepção mista desta nova temporada? Ao que parece, ninguém questiona que um sanduíche de carne e um prato chique e absurdamente caro são saborosos. Mas só um deles parece saciar a fome do espectador. Talvez a série esteja em busca de uma nova ligação com o público enquanto Storer faz suas experimentações narrativas. Os aspectos técnicos, felizmente, continuam impecáveis.
Se a narrativa é truncada em alguns momentos, com resoluções de conflitos empurradas para a próxima temporada, o aspecto humano de “The Bear” se mantém quase intacto. É possível perceber uma certa frieza entre os personagens, como se a divisão de funções na cozinha erguesse muros entre eles. Ou seus próprios dilemas. Quando estavam gritando uns com os outros, parecia existir uma chama no ambiente. Ainda assim, quando os roteiros lançam um olhar mais profundo sobre certos rostos, a terceira temporada recupera um pouco de seu espírito. Isso se reflete em “Napkins” e “Ice Tips”, episódios focados em Tina (Liza Colón-Zayas) e Natalie (Abby Elliott), respectivamente. No primeiro, temos um flashback da dura rotina de Tina antes de entrar para a lanchonete de Michael (Jon Bernthal). Um sensível relato sobre as dificuldades do mercado de trabalho, principalmente para pessoas mais velhas. Já “Ice Tips” é todo focado em Natalie e Donna (Jamie Lee Curtis, em outra atuação fenomenal), num poderoso, triste e libertador momento entre mãe e filha. Particularmente, gosto quando a narrativa dedica momentos específicos para alguns personagens, por mais que muitos possam enxergar isso como um desvio de rota.
Existe outro aspecto curioso que joga contra a terceira temporada: um foco maior no humor. “The Bear” nunca foi polarizada, nem muito cômica e nem extremamente dramática. Christopher Storer sempre soube dosar bem esses aspectos. Penso que as recentes vitórias em premiações na categoria de comédia tenham alguma relação com isso. Parece a forma de explicar as piadas a mais dos irmãos Fak. É proibido existir alegria na série? De forma alguma. Apenas a execução da ideia se apresenta de maneira deslocada em uma temporada que foca mais nos dramas e incertezas dos personagens.
Se comparada com as duas primeiras temporadas, o terceiro ano de “The Bear” realmente fica abaixo. Mas, se levarmos a comparação para a ampla concorrência, ainda é uma das melhores produções televisivas dos últimos cinco anos, pelo menos. E mesmo que um prato mude de sabor a cada novo preparo, se ele for saboroso desde a primeira versão, muito provavelmente continuará assim até o final. Certo, chef?