“É a maior mentira esse Tom Cruise pulando desse avião aí!” A frase dita por muitas pessoas sobre clássico da ação Missão Impossível é um desabafo típico de quem busca comprar a ideia de um filme como algo que “realmente” aconteceu. Por mais que o próprio Tom Cruise faça a maior parte das cenas de ação sem dublês, parece uma missão impossível acreditar no filme como realidade. Graças ao fenômeno chamado de Suspensão Voluntária da Descrença, podemos curtir filmes como este dando um crédito mínimo à possibilidade de que toda aquela mentira é “vida real”. Mas o que Ted Lasso, série de sucesso na Apple TV+, tem a ver com isso?
Porque sem a tal da Suspensão Voluntária da Descrença no mais alto nível, fica difícil acreditar na série. Ted Lasso (Jason Sudeikis) é um vitorioso técnico de futebol americano universitário que é contratado pela presidente de um time modesto da primeira divisão do futebol inglês. Ted e seu assistente técnico Beard (Brendan Hunt) não sabem absolutamente nada de soccer e se encaixam perfeitamente no plano de Rebecca (Hannah Waddingham), presidente do clube que quer se vingar do ex-marido, destruindo o clube que ele ama e que ajudou a construir.
Quem acompanha qualquer jornal esportivo, sabe que é praticamente inviável que algo assim acontecesse na realidade. Os motivos são incontáveis, mas o fato é que uma premissa absurda foi capaz de construir uma série tão divertida e sentimental ao mesmo tempo. Indicada em grandes premiações como Globo de Ouro e Critics Choice Awards, a série não parecia ser o foco das divulgações do próprio serviço de streaming da Apple. Ted Lasso estava por lá, escondida. E, assim como seu personagem principal, renasceu das cinzas.
A série é a comprovação de que personagens bem desenvolvidos carregam a trama que for necessária. A força deste produto está em Ted que, aliás, não surgiu do nada. Jason Sudeikis ajudou a desenvolver e dar vida ao personagem e a toda essa premissa em 2013, para comerciais do canal pago NBC Sports. O canal, na época, estava trazendo para os Estados Unidos a transmissão do Soccer (o futebol que não é o americano para os americanos) com todas as rodadas da Premiere League, a primeira divisão do campeonato inglês. Ted era justamente o cara que não entendia nada de futebol mas que iria convencer outros americanos a assistirem ao campeonato.
A produção da Apple deu espaço, fôlego e disposição para que o personagem ganhasse uma série própria trazendo todas as características do personagem. Com uma leveza incrível, Ted é carismático e tem um motivo bem sério para topar o desafio de atravessar o oceano e treinar o modesto AFC Richimond. Descobrir essa real motivação é a cereja do bolo e o que te segura até o final da primeira temporada. A motivação de Rebecca está clara desde o início, mas não é o clássico vilão. Ela também passa por altos e baixos, assim como os jogadores do time e seus problemas previsíveis. Pessoas são falhas, mas tem qualidades. E isso faz a série parecer real. Ironicamente verossímil. Ted Lasso faz humor exatamente com isso. Com a capacidade humana de errar e tentar acertar.
Ted é um otimista nato e sua qualidade pode não ser tão boa assim. Esse dilema é o que realmente traz boas reflexões entre as centenas de piadas de trocadilhos, algumas cenas de comédia pastelão e humor ácido misturados em uma proporção cirúrgica. É como ver Jerry Lewis, Friends sem aplausos da plateia, cenas do anime Supercampeões filmadas em live action e o elenco dos Trapalhões com um roteiro extremamente inteligente.
A série, com 10 episódio na primeira temporada, já tem data de estreia da segunda: dia 23 de julho e terá 12 episódios. Já estamos ansiosos e tão otimistas quanto Ted que, mesmo contra qualquer rebaixamento, já é um verdadeiro campeão. E se você não gosta de futebol, não se preocupe. Essa série é sobre tudo, menos futebol.