Jogos de mundo aberto se tornaram um padrão da indústria há pelo menos 15 anos e são motivos de orgulho e hype pelas maiores empresas do gênero. Mundos cada vez maiores, interações de física cada vez mais complexas e conteúdos intermináveis… É fácil ver pra onde está indo tanto dinheiro investido nas produções. Mas será que um pequeno estúdio indie seria capaz de disputar esse espaço com clássicos dos jogos e heróis dos quadrinhos? Tchia é um dos experimentos que tenta responder essa pergunta, trazendo consigo cenários bucólicos, muita ambição e uma execução que deixa a desejar em vários pontos.
Boas-vindas à Nova Caledônia
A pequena garota Tchia vivia tranquilamente numa pequena ilha com seu pai, até que eles são atacados por capangas do temeroso Meavora, o governante do arquipélago. Em busca de respostas, nossa heroína começa a navegar pelas ilhas, descobrindo mais sobre seus poderes adormecidos. Além de pular de árvores e planar por aí, o principal poder de Tchia é a “Transferência de Alma”: ela consegue transferir sua consciência para objetos ou animais, ganhando novas habilidades ou permitindo lançar coisas em inimigos.
Essa dinâmica é o que permite boa parte da diversão ao andar pelos cenários, possibilitando correr mais rápido ou até voar diretamente ao objetivo quando necessário usando um pássaro. “As Músicas de Alma”, liberadas durante a aventura para serem tocadas no ukulele, permitem que criaturas “transferíveis” sejam invocadas a qualquer momento, sem que você precise ficar a mercê do cenário em que está no momento para se movimentar. Ao mesmo tempo, a habilidade também é a espinha dorsal de um sistema de batalha fraquíssimo que chega a ser monótono nas poucas vezes em que deve ser utilizado, um dos sintomas do grande potencial desperdiçado do título.
Um dos pontos que mais me chamou atenção foi a inspiração para a criação dessa história e desse mundo em que o jogo se passa: Nova Caledônia, um território insular francês que fica no oceano Pacífico, terra natal dos fundadores do estúdio. Enquanto vários elementos permitem que conheçamos melhor a cultura do arquipélago — como as poucas interações com outras vilas, as línguas locais usadas na dublagem, a incrível trilha sonora e a ambientação —, eu senti que muita coisa acaba se distanciando desse objetivo.
Muitos dos cenários são tão parecidos que se misturam facilmente na sua cabeça, além de alguns que destoam completamente da qualidade visual do resto, como a incrivelmente sem-graça cidade de Aemoon City, cenário recorrente na história principal do jogo. Trama essa, inclusive, que foca boa parte da primeira metade em apresentar coisas muito interessantes da cultura neocaledônia, mas foca a segunda parte em uma trama de “bem vs. mal” clichê e que parece se distanciar completamente da proposta que vinha sendo apresentada até então, só para cumprir um requisito narrativo que, realmente, não precisava estar ali. Pelo menos, a história termina em uma nota alta e com cenas de aquecer o coração.
O potencial perdido em Tchia
Esse sentimento de que Tchia parece se distanciar do que estava sendo construído para cumprir um gabarito não fica só na trama que está sendo contada, mas foi, provavelmente, o que eu mais senti depois da segunda hora de jogo. Eu estou acostumado com jogos independentes com tramas menores, mais simples e mais experimentais — algo que aqui faria muito bem. O problema é tentar encaixar fórmulas de jogos enormes de mundo aberto que não trazem reais benefícios ou diversão a quem joga.
Mais da metade das minhas 9 horas de jogo foram passadas andando, usando o pior sistema de navegação já feito na história dos jogos, para conseguir alguns colecionáveis que não eram divertidos de coletar. As poucas atividades disponíveis no mapa que não eram sobre apenas chegar a pontos específicos, foram simples e divertidas, mas repetidas à exaustão, ou inviabilizadas por problemas técnicos e de execução. As corridas contra o tempo são prejudicadas por uma câmera incapaz de seguir o personagem corretamente e os templos, que têm desafios variados, ou são bem imaginativos ou também sofrem com uma execução ruim.
Eu não conseguia parar de pensar em como esse jogo seria se durasse 1/3 do tempo, focando nos crescimento e amadurecimento de Tchia e, mecanicamente, na realmente interessante Transferência de Alma. Sem tentar parecer o “seu primeiro Assassin’s Creed”, sem tentar expandir o conteúdo do mapa artificialmente com objetivos sem muito propósito. Tem algo especial aqui, tem um potencial enorme que foi escondido por tantas decisões de design que parecem só servir como buzzwords para vender o jogo.
A única coisa que Tchia empresta dos jogos de mundo aberto e funciona muito bem é a personalização da personagem e do seu barco. Sendo o único real uso para 80% dos coletáveis disponíveis no mundo, dá pra ver o esforço do time de desenvolvedores da Awaceb em criar um guarda-roupa gigantesco para a pequena heroína. Se algo no jogo não avança a história, pelo menos ela entrega novos modelos, ukuleles, ou peças de barco que podem ser facilmente combinadas. Eu me diverti testando as opções de personalização, mas, no fim do dia, como algo completamente cosmético, não muda muito o ato de jogar propriamente dito.
Se você já costuma aproveitar enormes jogos de mundo aberto, é fácil ver que Tchia vai ser realmente como uma viagem de férias: sua proposta mais simples provavelmente vai trazer diversão pra quem já está acostumado com esses padrões e essas estruturas. Mas se o seu objetivo é conhecer a cultura da Nova Caledônia, explorar as ilhas e seguir a história da nossa pequena heroina é difícil não ficar com aquele gosto amargo no fundo ao ver tantas fórmulas sendo repetidas sem agregar realmente nada de muito bom à experiência. Interessante pra alguns, medíocre pra outros e eu só queria ter realmente gostado mais.
Tchia está disponível para PC (na Epic Games Store) e para PlayStation 4 e 5.
*Uma cópia do jogo foi gentilmente cedida ao CosmoNerd pelos desenvolvedores para a produção deste texto.