Depois do sucesso em Oppenheimer, Cillian Murphy retorna com força em Steve (2025), novo drama da Netflix dirigido por Tim Mielants e baseado no texto Shy, de Max Porter. O longa marca a segunda colaboração recente entre ator e diretor, após Small Things Like These, e reafirma o interesse de ambos por histórias de figuras moralmente exaustas em contextos sociais complexos. Desta vez, o foco é a rotina de um diretor de escola que tenta manter o controle de um ambiente à beira do colapso — e de si mesmo. Leia a nossa crítica do filme.
Steve e a escola como microcosmo da falência institucional
Ambientado em 1996, Steve se passa em Stanton Wood, internato britânico destinado a jovens problemáticos. O filme acompanha um único dia da vida de Steve, o diretor da instituição, interpretado por Murphy com intensidade contida e olhar permanentemente cansado. O caos cotidiano é amplificado pela presença de uma equipe de TV que filma um documentário sobre a escola, expondo tensões entre professores, alunos e visitantes oficiais.
Entre brigas de corredores e crises de comportamento, os educadores tentam cumprir uma missão quase impossível: reabilitar adolescentes que já foram rejeitados pela sociedade. É nesse espaço de violência e fragilidade que o filme encontra seu tom — um retrato do esforço humano em manter alguma forma de empatia dentro de um sistema que parece projetado para falhar.
O colapso de Steve e a atuação de Cillian Murphy
O protagonista de Murphy é um homem em exaustão constante. Dependente químico e emocionalmente instável, Steve tenta ser mediador e cuidador enquanto luta contra seu próprio declínio. Quando descobre que Stanton Wood será fechada em seis meses, a sensação de derrota se torna inevitável. A notícia transforma o longa em um estudo sobre a impotência de quem acredita no poder da educação, mas percebe que o mundo ao redor se move em direção contrária.
A atuação de Murphy é o centro emocional do filme. Sua leitura do personagem, que se define como “muito, muito cansado”, combina fragilidade e obstinação. Ele expressa sem palavras o peso de liderar uma instituição falida, enquanto tenta preservar o mínimo de humanidade em meio ao desespero.
O jovem Shy e o deslocamento do foco narrativo
O roteiro de Mielants, inspirado na obra de Max Porter, altera o ponto de vista original. No livro, a história era narrada a partir de Shy (Jay Lycurgo), aluno introspectivo que luta contra a rejeição familiar. No filme, a perspectiva muda para Steve, o que reconfigura o eixo moral da trama. Ainda que Shy mantenha importância simbólica — sobretudo em uma comovente conversa telefônica com a mãe —, sua trajetória serve mais como espelho do colapso emocional do diretor do que como núcleo dramático autônomo.
Essa escolha narrativa gera ambiguidade: o longa ganha força na atuação de Murphy, mas perde parte da profundidade que o romance possuía ao explorar a mente do jovem protagonista.
Direção caótica e intenções performáticas
Tim Mielants conduz a câmera com energia quase documental. A fotografia em movimento constante e o uso de longas sequências reforçam o clima de urgência e confusão, aproximando o espectador do estado mental de Steve. Ao mesmo tempo, esse estilo acaba se tornando excessivo, por vezes mais preocupado em demonstrar intensidade do que em construir intimidade.
O resultado é um filme que alterna momentos de real potência emocional com outros em que a forma sobrepõe o conteúdo. A presença da equipe de filmagem dentro da narrativa — jornalistas que registram os conflitos — funciona como metáfora da exposição e da espetacularização do sofrimento, mas também distancia o público do drama interno dos personagens.
Crítica: vale à pena assistir ao filme Steve na Netflix?
Steve é um retrato intenso e desordenado de um homem que tenta salvar os outros enquanto afunda. Com 93 minutos, o filme mantém o espectador imerso em um ciclo de ruído, frustração e impotência. Ainda que a direção de Mielants por vezes perca o equilíbrio, o desempenho de Cillian Murphy sustenta o drama e confere densidade ao retrato de um idealista exaurido.
No fim, o longa reafirma a visão de Max Porter sobre a fragilidade humana: mesmo cercados por caos e desilusão, ainda buscamos um sentido em continuar cuidando — mesmo quando já estamos, como Steve define, “muito, muito cansados”.