Sr. e Sra. Smith: amor, ação e terapia de casal

Dos filmes que fizeram sucesso nos últimos 20 anos, provavelmente Sr. e Sra. Smith (2005) não estava no topo da lista de produções que precisam de um remake ou uma reimaginação. Fato é que o longa é mais lembrado pelo midiático romance entre Angelina Jolie e Brad Pitt do que pela qualidade de sua trama. Mas quem sabe nas mãos certas, a história de dois espiões que se apaixonam ganhasse contornos mais interessantes. É o que acontece na série de Sr. e Sra. Smith, produção para o Prime Video. Filme e série compartilham apenas o título e premissa em comum, sendo distintos em todos os outros aspectos. O que é uma excelente notícia.

John (Donald Glover) e Jane (Maya Erskine) são novos espiões contratados por uma agência misteriosa. Com personalidades completamente opostas, a dupla se disfarça como um inocente casal de engenheiros de software para completar suas missões. O que eles não imaginam é que equilibrar amor e dever é a missão mais difícil de todas. Sr. e Sra. Smith sabe que o foco precisa ser na dinâmica de interação entre os protagonistas. Por isso, a ideia do filme original não tem espaço aqui. Na série, o espectador acompanha o relacionamento desde o início até seus momentos mais dolorosos. Isso cria uma conexão essencial para o decorrer da temporada. Mesmo com alguns percalços, a odisseia de estranhos se apaixonando enquanto arriscam suas vidas funciona muito bem.

Claro que fica uma dúvida sobre o tom certo para trabalhar a série. Se fosse muito puxada para o drama, teríamos uma versão contemporânea de The Americans por exemplo (o que não deixa de acontecer em partes). Por outro lado, nomes como Glover e Erskine (que faz a voz da Mizu no excelente Samurai de Olhos Azuis) possuem raízes na comédia. A melhor opção então é misturar esses dois aspectos. Sr e Sra. Smith sabe quando ser leve e divertida, onde por vezes toda a questão da espionagem não passa de uma nota de rodapé. Por outro lado, quanto mais a trama avança, mais as dores e inseguranças do casal tornam-se evidentes. Particularmente, prefiro quando o relacionamento entre John e Jane é o foco. Passando pelo primeiro flerte até o momento decisivo para qualquer casal, normal ou de espiões, onde as metas de vida entram em conflito. Ele pensando que a vida é muito mais do que trocar tiros e ela imaginando crescer na carreira.

Até a distribuição dos episódios reflete essa busca pelo equilíbrio temático. Os três primeiros capítulos são mais engraçados, onde tanto o espectador quanto os protagonistas estão aprendendo toda as regras. Do quarto em diante, o senso de perigo fica mais evidente. Interessante como a montagem e a direção tornam natural o salto temporal dentro da série, onde nem todas as missões precisam ser mostradas por completo. O ápice dessa ideia ocorre no sexto episódio, quando o casal procura uma terapeuta vivida por Sarah Paulson. Enquanto lidam com os problemas do relacionamento de “engenheiros de software”, nós vemos como a vida dupla está afetando o casal.

Óbvio que Sr. e Sra. Smith não funcionaria sem o talento de seu elenco. Antes de falar dos protagonistas, é preciso destacar os coadjuvantes de luxo. Nomes como Paul Dano, Alexander Skarsgård, Michaela Coel e John Turturro abrilhantam a série, mesmo com pequenas pontas. Mas são Wagner Moura e Parker Posey que roubam a cena como contrapartes do casal principal. Estes são divertidos, confiantes e envolventes. E principalmente Wagner Moura brilha em cada oportunidade ao melhor estilo espião experiente e fanfarrão.

É curioso pensar que Phoebe Waller-Bridge estrelaria a série ao lado de Donald Glover. Por conflitos criativos ela saiu e Maya ocupou seu lugar. Agora é impossível enxergar outra pessoa nesse papel. A química da dupla é tão natural que, aliada as capacidades artísticas de ambos, fisga o espectador desde o primeiro episódio. Ela esconde traumas por trás de uma postura rígida e emocionalmente distante. Já ele tenta disfarçar o medo da rejeição e do abandono com uma atitude mais relaxada. É possível argumentar que o romance se inicia rápido demais, mas todo o desenvolvimento é muito bem estruturado.

Pena que o design de produção não consegue explorar alguns dos cenários paradisíacos que a série entrega, com o orçamento mais apertado da produção televisiva tornando-se evidente em alguns momentos. De todo modo, a série de Sr. e Sra. Smith é muito mais divertida e profunda do que a versão cinematográfica. E coloca uma importante questão na mesa: antes de brigar com seu cônjuge, certifique-se se ele não é um espião internacional.