Série brasileira consegue trazer um produto autêntico para a plataforma explorando um triunvirato periférico atual
Apesar de contar com alguns produtos nacionais em seu catálogo, a Netflix consegue apresentar algo diferente com Sintonia, série idealizada e produzida por KondZilla, um dos grandes nomes do funk nacional. Isso não significa, no entanto, que temos na história uma narrativa que advogue contra o preconceito sofrido pelo estilo musical perante ao julgamento de outras pessoas.
A série é ambientada na periferia paulistana onde três amigos cresceram juntos e tentam encontrar seu lugar no mundo. Nando está cada vez mais envolvido com o mundo do tráfico de drogas, Rita encontra refúgio na igreja e Doni tenta se tornar famoso no mundo do funk como MC. Desse modo, Sintonia é um retrato bastante fiel ao abordar três vertentes muito fortes desse tipo de comunidade, representadas em cada um de seus protagonistas.
Se costumamos questionar produções nacionais por não apresentarem diálogos convincentes, geralmente lançando mão de um português rigorosamente coloquial, não podemos negar que Sintonia é um produto que representa a periferia paulistana usando diversas gírias em seus diálogos – escorregando em alguns momentos, mas se saindo bem-sucedida de um modo geral. O elenco principal é composto por Christian Malheiros (Nando), MC Jottapê (Doni) e Bruna Mascarenhas (Rita), que estão à vontade em seus papéis, ainda que precisem de um pouco de maturidade e mais experiência para se tornarem grandes atores.
O timing de algumas cenas não parece muito preciso, onde algumas cenas se estendem demais ou então acontecem para reafirmar algo já mostrado, seja o vislumbre de Rita com o neopentecostalismo ou a falta de estrutura de Nando, explicando sua motivação quase cega para adentrar no crime organizado. Nada que desmereça o bom trabalho de KondZilla e sua turma, totalmente justificado pela recém transição do mundo dos videoclipes para uma série no streaming. São formatos diferentes que demandam prática.
Sintonia não é uma “Malhação” pró-funk
O importante é que a estrutura emocional de Sintonia está muito bem equilibrada, fugindo do panfletarismo pró-funk como mencionei na introdução, mas mostrando bem os bastidores desse universo. O pai de Doni abomina o estilo musical do filho e isso pode ser interpretado como algo negativo, mas ao mesmo tempo vem dele alguns valores que o impede de se tornar como o amigo Nando. Pode soar como moralismo barato escrevendo aqui, mas isso fica orgânico na série, mesmo que sutilmente verbalizado em alguns momentos.
Alinhado a uma estética condizente, a vertente funkeira com a saga de Doni rumo ao estrelato ajuda a atrair uma faixa de assinantes da Netflix que provavelmente não havia sido tocada. Trata-se da camada mais pobre da sociedade, que tem no consumo a informação globalizada do que é a felicidade, materializada principalmente no smartphone, o mesmo usado para assistir Netflix.
Implementar isso de forma competente é um golaço marcado pela plataforma de streaming no Brasil.